Imigrantes angolanas buscam melhores condições no Brasil e encontram acolhimento e dignidade na rede socioassistencial de São Paulo

Histórias de mulheres nos serviços da Prefeitura confirmam que os equipamentos públicos de acolhimento e convivência da cidade abraçam todos e mudam vidas

Texto: Ana Luiza Martins e Samuel Fragoso
Fotos:
 Samuel Fragoso

A cidade de São Paulo, por se tratar da capital econômica do país, atrai diversos imigrantes. Muitos deles vêm com o sonho de ter uma vida melhor, com melhores condições de trabalho, renda, saúde, ou, em alguns casos, escolhem vir por medo da violência no seu próprio país, se refugiando.

Essa é a história de boa parte dos 4.633 imigrantes acolhidos na rede socioassistencial da Prefeitura. Somente no primeiro semestre deste ano, houve um número 60% maior do que o mesmo período do ano passado, no qual 2.893 imigrantes foram acolhidos.

A maior parte dos imigrantes acolhidos neste primeiro semestre são angolanos. Foram 2.339 acolhimentos, 75% maior do que no mesmo período do ano passado, quando foram acolhidos 1.331 imigrantes.

Neste primeiro semestre, aproximadamente 1.093 mulheres angolanas atravessaram o Oceano Atlântico, percorrendo pouco mais de 6.500 km, em busca de melhores condições de vida e foram acolhidas na rede socioassistencial da capital paulista. Este é o caso de Anita Miguel, de 32 anos, que chegou ao Brasil há pouco mais de sete meses, vinda de Luanda, capital angolana.

Anita chegou grávida ao Brasil, já no final de sua gestação. Foi orientada a procurar o Centro de Referência e Atendimento ao Imigrante (CRAI) para que pudesse encontrar um local para ficar. Lá, ela foi encaminhada para o Centro de Acolhida Especial (CAE) para Mulheres Imigrantes - Palotinas, localizado na Penha, zona leste da cidade, que tem capacidade para acolher 80 mulheres com ou sem filhos.

“Decidi vir ao Brasil porque é um país que me sinto à vontade, desde pequena sou apaixonada pelo país. Eu gostei daqui do centro de acolhida, desde o primeiro dia que cheguei. Está tudo muito melhor para mim por aqui”, disse.

Anita, com a voz embargada e um sorriso no rosto, revela uma das maiores dificuldades no Brasil: a saudade da família. Seu marido e seus outros filhos ainda estão em Angola. Ela tem esperança de conseguir reunir toda a família novamente no Brasil.

“Meu marido e meus outros filhos pretendem vir, mas ainda não temos uma previsão. É muito difícil ficar longe, às vezes sinto saudade, falta de conversar, mas Deus vai ajudar”, completou a acolhida.

Uma mulher negra está vestida de camiseta branca e um colar com um crucifixo no peito. Ela está com o cabelo raspado e, ao fundo, há uma parede com uma estante repleta de livros.

Além do sonho de reunir a família novamente, ela que trabalhava em uma loja de material de construção no seu país, tem o desejo de estudar, trabalhar na área da informática e conseguir sua casa aqui no Brasil.

O sonho de construir uma vida longe das dificuldades e perigos também foi o que motivou Malonga Rosa, 23, a vir para o Brasil. Ela se senta no sofá do Serviço de Assistência Social à Família e Atendimento em Domicílio (SASF) - Cangaíba, na região da Penha, zona leste, trazendo consigo seu filho, Gabriel, e uma forte história.

Gabriel tem sete meses, nasceu em São Paulo, mas Malonga vem de longe. Luanda também é sua cidade natal e ela imigrou com a família para São Paulo em novembro do ano passado.

Ela fala rápido, expondo sua grande trajetória em poucos minutos. Sua vida na Angola era boa, cresceu tendo tudo que precisava e tinha um futuro pela frente. “Em Angola a gente vivia bem, trabalhava. Não tínhamos tudo, mas não faltava nada”, contou.

Malonga trabalhava como cozinheira e seu marido era mecânico de uma loja de automóveis, até ele não poder ser mais. Uma confusão se instaurou em seu trabalho, o que mudou o curso da vida de todos. “Algumas coisas foram perdidas dentro da empresa e eles estavam culpando meu marido, porque ele era o gerente”, compartilhou Malonga.

Ela conta que, depois disso, o dono da loja começou a perseguir seu marido. “Ele mandava pessoas atrás do meu marido, isso deu medo”. Foi nesse momento que a família sentiu que não poderia continuar no país. Juntos, decidiram que viriam para o Brasil e, após dois meses de espera, o visto saiu. Com apenas algumas malas, eles se viram indo em direção a outro continente.

“Quando a gente chegou no Brasil, no dia 9 de novembro, a gente não tinha ninguém”, relatou a mulher. Depois de passarem uma semana sendo abrigados em uma igreja na zona norte da cidade, eles decidiram que iriam buscar melhores condições. Nesse ponto, Malonga estava grávida, no final da gestação, e ela queria que seu bebê tivesse uma vida melhor. “Todos os pais querem um melhor futuro pros seus filhos”, ela afirmou.

A família procurou o Centro de Referência de Assistência Social (CRAS) - Sé e, no mesmo dia, foram acolhidos pelo Centro Temporário de Acolhimento (CTA) para Famílias - 18, no Canindé, região leste da cidade. O CTA, assim como CAE Palotinas e o SASF Cangaíba, é um serviço oferecido pela Secretaria Municipal de Assistência e Desenvolvimento Social (SMADS), que acolhe pessoas em situação de rua, contribuindo com a construção progressiva da autonomia e do protagonismo dos acolhidos, resultando na saída qualificada.

E foi exatamente isso que Malonga conquistou. Após dois meses de acolhimento no serviço, ela e sua família conquistaram sua autonomia e saíram do CTA. “O CTA 18 foi uma mãe que acolheu a gente”, relatou.

O marido de Malonga conseguiu um trabalho formal como mecânico de máquinas em uma empresa em Osasco e, a partir disso, conseguiu alugar uma casa no Jardim Piratininga, região do Cangaíba, também na zona leste da cidade.

 

Saída qualificada da rede socioassistencial

No primeiro semestre do ano de 2023, 996 imigrantes que estavam acolhidos na rede socioassistencial conseguiram sua autonomia, sendo moradia autônoma, moradia provisória e retorno à convivência familiar os principais motivos para a saída qualificada do acolhimento.

Em comparação ao mesmo período de 2019, antes da pandemia do Covid-19, o número de acolhidos estrangeiros que conquistaram essa autonomia aumentou 113%.

Atualmente, a família de Malonga é acompanhada pelo SASF - Cangaíba. Por lá, eles recebem auxílio assistencial, instrucional e de fortalecimento de vínculos, seja entre si ou com outros atendidos brasileiros ou imigrantes.

Somente em junho de 2023, o SASF em que Malonga é atendida acompanhou 162 imigrantes. Nesse mesmo período, os 68 SASFs da rede atenderam 1.026 imigrantes.

Ela contou que a família vem participando da oficina de panificação que o serviço oferta, visando atingir seus objetivos. “É um trabalho que vai me ajudar muito. Pode ser que não tenha emprego formal ainda, mas se eu aprender eu posso fazer os pães e doces em casa e levar para vender”, afirmou.

Outra mulher negra está de pé, em frente de uma mesa. Ela segura uma bandeja com bolo. Ela veste um vestido com um tecido branco ondulado nos ombros e liso estampado no caimento do corpo.

Sorrindo, Malonga disse que sonha em ser chefe de cozinha, e que essa oficina pode ser a porta de entrada. A rede socioassistencial, além de acolhê-la, tem o papel de fornecer uma nova perspectiva de vida, que vai além do básico.

Histórias como a de Anita e Malonga, que chegaram ao Brasil grávidas, não são incomuns na rede de acolhimento da Prefeitura. Somente no primeiro semestre deste ano, 22 mulheres angolanas foram acolhidas no CAE para Gestantes, Mães e Bebês - Amparo Maternal, um número 175% maior comparado a 2019, antes da pandemia de COVID-19, quando oito mulheres angolanas foram acolhidas neste centro.

 

Atendimentos na Rede Socioassistencial para imigrantes

Somente no mês de junho, a SMADS realizou o atendimento de 3.799 imigrantes somente nos serviços de convivência da Proteção Social Especial de Média Complexidade e nos serviços de Proteção Básica.

Os serviços de convivência que mais atenderam esse público são os Núcleos de Convivência para Adultos em Situação de Rua, com 1.418 atendidos; SASF, com 1.026; e os Centros para Criança e Adolescentes (CCAs), com 757 atendimentos.

 

Acolhimento para Imigrantes

A rede socioassistencial da Prefeitura dispõe de cinco serviços de acolhimento que ofertam vagas preferencialmente para imigrantes. São eles: CAE para Mulheres Imigrantes, CAE para Família - Ebenezer – ambos na Penha –, Centro de Acolhida (CA) para Adultos - São Mateus, CA Imigrantes - Bela Vista e CA Imigrantes - Pari, na região central.

Ao todo, estes serviços dispõem de 772 vagas de acolhimento. Além dos equipamentos específicos para imigrantes, esse público pode utilizar todos os serviços da rede socioassistencial.