Aziz Ab’Saber faz um depoimento sobre a imigração libanesa no Brasil

Descendente de libaneses, Ab’Saber recebeu o título de professor emérito da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Hu-manas da Universidade de São Paulo.

“A Imigração libanesa no Brasil” foi o tema da palestra proferida ontem à noite (quinta-feira, 7/04) no Clube Atlético Monte Líbano pelo professor Aziz Ab’Saber. A conferência faz parte das comemorações pelos 125 anos da imigração libanesa para o Brasil, que tem o apoio da Secretaria Muni-cipal da Cultura.

Descendente de libaneses, Ab’Saber recebeu o título de professor emérito da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Hu-manas da Universidade de São Paulo. Foi presidente da SBPC Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) e desenvolveu trabalhos no Instituto de Estudos Avançados da Universidade de São Paulo (IE-A/USP).

Abaixo, um afetuoso depoimento do professor Ab’Saber sobre as aventurescas viagens de seu pai do Líbano para o Brasil.

"Para entender a imigração libanesa é importante lembrar como se deu e o que era o Brasil quando ela começou. Os árabes vieram preferencialmente para duas regiões do país, o Sudeste, sobretudo São Paulo e ar-redores, e a Amazônia. E isto porque existiam dois grandes ciclos econômicos, que eram atrativos e que já tinha tido repercussões em toda a Bacia do Mediterrâneo e no próprio Líbano em si.

O primeiro ciclo foi o do café, que em 1880, quando se inicia a vinda de imigrantes sírios e libaneses para São Paulo, estávamos em seu auge. Com isso multiplicaram-se as cidades e as estradas de ferro, o que impressionou a Europa e sobretudo os povos do Mediterrâneo, especialmente nas regiões mais pobres no Sul da Itália e em certas áreas do Oriente Médio.

Na Amazônia a coisa foi mais complicada. Vivia-se o ciclo da borracha, os árabes sentiram que existiam condições para fazer uma masca-teação de venda de produtos simples, que eles podiam comprar com pouco dinheiro e que sabiam ser atrativos, como algumas roupas simples, fitas, linhas, agulhas, enfim, as coisas mais necessárias.

Com isso eles conseguiam ganhar dinheiro e sobreviver muito bem. Além disso, eram muito bem recebidos no Sudeste e nos barracões de seringais na beira dos rios amazônicos.

Meu pai era filho de uma aldeia chamada Kafara-Homei, no vale do Be-kaa, onde se praticava uma agricultura para a produção de alimentos para Beirute, Damasco e outros lugares. Quando Nacibinho, meu pai, atingiu um pouquinho de idade, costumava ir à cidade de Zahare procu-rar serviço. Depois ele foi trabalhar no mercado, em Beirute.

Quando completou 15 anos, minha avó, desesperada, mandou o Nacibinho buscar meu avô, que estava morando em São Luis do Paraitinga com um irmão de meu pai, o Nagib. Os imigrantes não tinham mapas nem de sua região de origem, quanto mais do Brasil.

Então eles compravam uma passagem de navio que os deixava em Salvador, Rio de Janeiro, São Paulo, ou Rio Grande do Sul. Por isso existem árabes em toda parte do Brasil. E eles foram se adentrando, mais tarde, para áreas interiores.

Ao chegar no Rio de Janeiro ele começou a andar pelo entorno da praça da alfândega, procurando encontrar alguém que tivesse “olhos de árabe”, para poder perguntar como chegar a um lugar chamado São Luis do Paraitinga. Foi quando avistou uma senhora árabe e perguntou se ela falava sua língua.

Ela era de origem árabe e ela explicou que para ele chegar ao seu destino teria que ir à estação da Central do Brasil, e pedir para o bilheteiro “Taubaté”, e não dizer mais nada, pois eles não gostam de conversa. E assim meu pai chegou a Taubaté.

Durante todo o período desde que desembarcou ele não havia comido nada, pois não sabia como pedir comida. Foi quando não agüentando de fome, no meio da viagem, chegou para o chefe do trem e fez um sinal de faminto e lhe deu um dinheiro, o chefe, não entendendo o sinal aceitou o dinheiro como gorjeta.

Depois de um tempo, meu pai, faminto, reencontrou o chefe do trem e ficou repetindo o sinal. Foi só então que o homem entendeu que o dinheiro era para comprar algo de comer. Quando chegou em Taubaté, Nacib enfrentou o mesmo problema de não sa-ber a quem pedir informações.

Novamente procurou alguém que tivesse a cara de árabe, e encontrou uma moça que “pelos olhos” deduziu que de-veria ser de origem libanesa. Mais uma vez estava certo e ela expli-cou o caminho para chegar à casa de Nagib.

Meu pai pegou uma carona com as tropas que levavam café para Ubatuba. Chegando em São Luis do Paraitinga, ele procurou pelo irmão que de primeiro momento não o reconheceu, depois de “apresentados”, Nagib o levou ao encontro do meu avô, que tinha um armazém. Meu pai explicou que tinha vindo a mando da mãe para leva-lo de volta e ao ouvir isso, meu avô ficou feliz e decidiu vender as coisas que tinha para poder regressar ao Líbano.

Novamente em casa, minha avó feliz com o sucesso de meu pai, passou a leva-lo ao mercado quando ia fazer compras. Num certo dia alguns terroristas entraram no mercado e puseram um revólver na fronte dele e um perguntou para o outro: “É um cristão que morre?” e o outro olhou para aquele menino e disse: ”Não tenho certeza”. Foi o que salvou Nacib.

Este episódio foi decisivo na vida de meu pai. Assustado com a violência no Líbano, ele retornou para o Brasil. A minha avó achou melhor ele vir para cá, por conta deste país ser mais acolhedor e sem os problemas do Líbano, e pediu somente para não se esquecer deles.

Dessa vez, o navio em que Nacib chegou, aportou em Santos, e nessa época já existia a estrada de ferro Santos-Jundiaí, que era mais antiga que a Central do Brasil e subiu para São Paulo, para procurar o irmão, que pelas cartas estava em Tatuapé. Devido à saúde debilitada de Nagib, que teve problemas no rim, e notícias da morte de parentes seus no Líbano, vitimas da Gripe Espanhola, em 1914, Nacib decidiu voltar para São Luis do Paraitinga com seu irmão e começou a traba-lhar como mascate, depois abriu uma loja por lá.

Um tempo depois en-controu minha mãe em uma roça e se gostaram, casaram, e foram morar ao lado do mercado, na casa onde eu nasci. Hoje essa casa tem um letreiro com os dizeres: “Aqui nasceu Aziz Ab’Saber”".

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