Santana. Ilha de tranqüilidade no caminho do romântico Trem das Onze

Santana, hoje, ostenta uma infraestrutura privilegiada e é o bairro mais importante da Zona Norte.

A dificuldade de acesso isolou a antiga “Fazenda de Santana” do restante da capital. A região começou a ser povoada em 1673 e nos anos de 1700 a Coroa iniciou a construção de uma ponte sobre o rio Tietê, a Ponte Grande, considerada a primeira obra de engenharia de São Paulo. A ponte facilitou o acesso mas ainda assim a região demorou a ser povoada. As enchentes do rio Tietê e os escassos meios de transporte fizeram com que a região preservasse durante séculos características rurais, mantendo ainda hoje um certo ar de cidade de interior. No século XVIII, o governo começa a incentivar imigrantes a se instalarem na zona Norte, mas, no final do século, dá um golpe em sentido contrário, construindo na região um hospital e um cemitério para as vítimas da epidemia de varíola, de acordo com a historiadora Maria Celestina Teixeira Mendes Torres em seu livro “O bairro de Santana”.

A zona Norte vai despertando o interesse da população no início do século XX, com a inauguração dos clubes de regatas Espéria e Tietê e com o desenvolvimento dos meios de transporte – o Tramway, conhecido como Trenzinho da Cantareira ou simplesmente Trem das Onze, na versão consagrada de Adoniran Barbosa, e os bondes. Os elétricos só cruzaram a ponte após reivindicações dos moradores.

Com água, luz, transporte e com a Ponte das Bandeiras, que substituiu em 1942 a precária Ponte Grande, a zona Norte tem finalmente condições de se integrar a São Paulo e se desenvolver. Santana, hoje, ostenta uma infraestrutura privilegiada e é o bairro mais importante da Zona Norte.

Gostoso de morar

A Subprefeitura de Santana/Tucuruvi responde por estes dois bairros e também pelo Mandaqui. Os três, juntos, somam 327 mil pessoas e exibem números muitas vezes melhores que os do município por inteiro. O rendimento médio mensal dos chefes de família, por exemplo, é de R$ 1,8 mil, quando a média de São Paulo é de R$ 1,3 mil. Já a faixa dos que se declaram sem rendimento, que chega a 10,4% no município, é de 5,6% em Santana/Tucuruvi. “É gostoso morar aqui, tranqüilo e tem poucos problemas se você comparar com outros lugares da cidade”, diz o aposentado José Bolívar de Jesus, que vive no Mandaqui há 24 anos.

Tranqüilidade é mesmo uma característica apontada pela maioria dos moradores da região. “A gente ouve falar de assalto aqui uma vez ou outra”, afirma o desenhista Wilson Antônio Borges Ortega, morador do Tucuruvi. E, se a idéia for buscar tranqüilidade interior em um contato com a natureza, o Horto Florestal está ali pertinho.

Mas é claro que Santana não está livre de problemas. As áreas mais críticas estão nas proximidades do Terminal Rodoviário Tietê, que concentra moradores de rua e vendedores ambulantes interessados no enorme fluxo de pessoas. Habitação também não é um problema de grandes proporções na região, onde, segundo a subprefeitura, cerca de mil pessoas vivem em favelas. A maior delas está localizada na avenida Zaki Narchi e tem sido alvo de ações de desocupação nas últimas semanas.

Carandiru

Santana nem sempre foi essa “ilha de tranqüilidade”. De 1956 a setembro de 2002 a região abrigou a Casa de Detenção do Carandiru, maior complexo prisional da América Latina. Rebeliões, mortes e fugas fizeram a fama internacional da prisão, fonte de inspiração para a literatura e o cinema. O complexo foi desativado pelo Governo do Estado e os pavilhões 6, 8 e 9 foram implodidos em dezembro de 2002 para que a área desse lugar ao Parque da Juventude. O terror cedia lugar ao lazer.

No lugar dos pavilhões há, hoje, quadras de esportes, equipamentos de ginástica e pista para caminhadas. O espaço é bastante freqüentado por jovens e crianças. O motoboy Alexandre dos Santos, de 20 anos, costuma ir ao parque diariamente após o almoço, já que trabalha em uma empresa nas proximidades. “Antes (da desativação) eu não tinha coragem nem de pisar nessa calçada”, lembra. “Agora não sinto nenhuma insegurança de vir aqui”, diz Alexandre. Uma parte do complexo permanece em funcionamento, como a Penitenciária Feminina, e por esta razão o parque tem policiamento reforçado. Mesmo assim, Alexandre e o colega José Roberto Pereira garantem nunca ter presenciado nenhum tipo de tumulto ou cenas de violência.

Uma cidade chamada Tietê

É praticamente uma cidade. São 54.480 m2 de área construída, por onde circulam cerca de 90 mil pessoas por dia – número que pode dobrar em vésperas de feriados. Dentro desta cidade de concreto há 53 lojas, 11 quiosques comerciais, 21 áreas de alimentação, um posto do Poupatempo, 120 telefones públicos, duas agências bancárias. Bem-vindo ao Terminal Rodoviário Tietê, o maior da América Latina.

Para a maioria das pessoas, o Tietê é só o ponto de chegada ou partida de uma viagem. Mas, para alguns, pode ser o ponto final de um sonho. São migrantes, brasileiros que vêm de outros estados e cidades trazendo na bagagem o velho sonho de uma vida melhor em São Paulo. Alguns conseguem seu espaço na capital. Outros nem mesmo saem da rodoviária.

A assistente social Mariela Piacentini Armilhto conhece bem as histórias dos “migrantes do Tietê”. Há dois anos a Organização Não-Governamental (ONG) para qual trabalha, a Coordenadoria Regional das Obras de Promoção Humana (Crop), firmou um convênio com a Prefeitura para a prestação de serviços de assistência social aos viajantes e migrantes que chegam à cidade via Tietê.

Ali o Crop atende em média a 60 pessoas por dia. Entre elas estão migrantes que chegam para procurar um parente que mora em São Paulo mas não têm o endereço exato nem telefone. Outros vêm sem ter por quem procurar, com pouco dinheiro e solicitam a indicação de um albergue. Há ainda casos de migrantes que chegaram há mais tempo, como um mês, não conseguiram emprego e pedem auxílio financeiro para retornar à cidade natal. “Atendemos também casos de pessoas que vêm atrás de programas populares de televisão, destes que oferecem ajuda financeira, achando que serão atendidos no mesmo dia”, conta Mariela.

Os casos são muitos. Como a verba que a ONG recebe não é suficiente para pagar as passagens de volta a todos, é preciso fazer uma triagem. A prioridade do Crop é atender às pessoas que estão realmente chegando à cidade – por isso, o posto está localizado no terminal rodoviário. “Os que estão em São Paulo há mais tempo têm de procurar outros serviços de assistência”, explica Mariela. Neste dois anos de trabalho, ela diz já ter conseguido derrubar pelo menos um mito: o de que a maioria dos migrantes vem do Nordeste. “Hoje nós atendemos principalmente pessoas do Sudeste, do Rio e de Minas”, afirma.

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