Intercâmbio operístico no Theatro Municipal

A troca de montagens de óperas entre estados possibilita reduzir consideravelmente o custo das produções e permite ao público paulistano assistir a espetáculos que tiveram sucesso em outras capitais.

Com o propósito de elaborar a temporada lírica deste ano e contando com um orçamento anual reduzido, o diretor artístico do Theatro Municipal de São Paulo, maestro Jamil Maluf, resolveu inovar, adotando uma prática que já é comum na Europa e nos Estados Unidos: a troca de espetáculos com outros estados do país.

“Sempre achei um absurdo”, diz ele, “que, num país em que não se disponibilizam muitos recursos para a cultura, se faça uma política de espetáculos líricos ‘descartáveis’, que são apresentados ao público em seis ou oito récitas e pronto, acabou! A montagem de uma ópera é uminvestimento muito caro e trabalhoso para ser tão pouco usufruído. Nos grandes teatros do mundo, cada nova montagem, tanto de uma ópera quanto de um balé, após os espetáculos de estréia, tornam-se parte do repertório da casa e, volta e meia, visitam palcos de outras cidades ou países”.

É claro que, para isso, como explica o maestro, é necessário uma infraestrutura adequada. Após as temporadas, cenários, figurinos, adereços e elementos de cena são cuidadosamente embalados e guardados em local apropriado, podendo, sempre que se quiser ou necessitar, ser novamente utilizados. “Se tivéssemos essa preocupação no Brasil, hoje, só aqui no Municipal de São Paulo, teríamos dezenas e dezenas de títulos prontos para serem reapresentados. Mas, infelizmente, devido as nossas precárias condições de preservação desse precioso acervo, a maior parte do que tínhamos perdeu-se, irremediavelmente”, lamenta Jamil.

Uma central de produção Foi por isso que uma de suas primeiras providências ao assumir o cargo foi a de tentar viabilizar uma central de produção para o Theatro. “Sabia, desde o início, que disporia de poucos recursos para ‘tocar’ a temporada deste ano e que a troca de espetáculos com outras casas poderia ser uma boa alternativa. Mas, para isso, primeiro precisaria saber do que dispúnhamos. Fizemos um levantamento de todo o material (cenários, figurinos etc) do nosso acervo (que ainda estava bem preservado) e o transladamos do Theatro para os galpões da Vila Guilherme, onde estamos instalando nossa central de produção. Podemos dizer que, de momento, temos quinze títulos de ópera em condições de ser ‘intercambiados’ com outras praças. Elaboramos um CD mostrando cada uma delas e o enviaremos a várias cidades do Brasil e da América Latina, propondo uma política de troca ou de aluguel de nossas produções”, diz o maestro.

Faz uma, apresenta três

Mas isso é uma ação a prazo médio. Para fechar a temporada deste ano, Jamil Maluf precisava de uma solução mais urgente. Com o orçamento de que dispunha, mal poderia montar uma ópera e precisava de, pelos menos, três delas. Entrou em contato com o Rio de Janeiro e Manaus, onde sabia que encontraria, respectivamente, dois espetáculos que já havia visto e que gostaria de trazer para São Paulo: Candide, de Leonard Bernstein e Condor, de Carlos Gomes.

“Nas duas cidades”, conta o maestro, “tive a felicidade de tratar com pessoas que pensam como eu a respeito do assunto e, [também]como eu, não entendem como, até agora, não se tenha realizado entre nós esta prática de intercâmbio. Essas pessoas são, no Rio, Helena Severo, presidente do Teatro Municipal do Rio de Janeiro e o maestro Sílvio Barbato, regente titular da Orquestra Sinfônica daquela casa; e, em Manaus, o secretário estadual de Cultura, Robério Braga e o maestro Luiz Malheiro, regente titular da Orquestra do Teatro de Manaus. Quando se comunga das mesmas idéias, as coisas saem com facilidade: Manaus ficou com o nosso Barbeiro de Sevilha e o Rio está escolhendo um entre os quinze títulos que temos disponíveis”.

Conforme informa Jamil Maluf, hoje, a montagem de uma ópera não sai por menos de 1,2 milhão de reais. “Com o intercâmbio, gastaremos em torno de 450 mil reais com cada uma; ou seja, pelo preço de uma, teremos em São Paulo uma temporada de três óperas”. Acrescenta, “e ainda com a vantagem de poder assistir aqui ao que está sendo feito de interessante em outros estados, coisa que só quem tinha dinheiro para pagar um avião e ir até o Rio ou Manaus poderia fazer”.

O resultado do intercâmbio

Desta forma, as três óperas que São Paulo verá até o final do ano são: Os Pescadores de Pérolas, de Georges Bizet (dias 2, 4, 6, 8 e 10 de setembro), Candide, de Bernstein (dias 28 e 30 de outubro e dias 1º, 3 e 5 de novembro) e Condor, de Carlos Gomes (dias 25, 27 e 29 de novembro e dias 1º e 3 de dezembro). A escolha de Os Pescadores de Pérolas para iniciar a série deste ano tem um valor simbólico para o maestro Jamil Maluf. “Montamos a ópera aqui no Municipal em 1995 com a Orquestra Experimental de Repertório.

Foi a primeira produção realizada inteiramente por técnicos nacionais, com recursos provindos dos Patronos do Theatro (até então, os empresários que organizavam as temporadas líricas da cidade traziam tudo de fora, inclusive cenários e figurinos). Com ela, a OER ganhou os principais prêmios do ano. Infelizmente, por falta de condições de armazenamento, perdemos o cenário e cerca de 70% do figurino. Estamos refazendo tudo em nossa central de produção e, em setembro, o público poderá ver (ou rever) este espetáculo da maneira como foi originalmente concebido, inclusive tendo nos papéis principais os mesmos solistas que atuaram na época: Cláudia Riccitelli, Fernando Portari e Sebastião Teixeira. O enredo desta ópera enfoca o amor proibido entre a sacerdotisa Leila e o caçador Nadir, vivido numa comunidade de pescadores de pérolas no Ceilão antigo.

Candide, de Leonard Bernstein é uma opereta cômica, baseada no conto Candideou l´Optimisme, de Voltaire, e foi encenada em janeiro de 2002 no Teatro Municipal do Rio de Janeiro. A direção é de Jorge Takla e os cenários e figurinos de Charles Moeller. No conto, Voltaire satiriza uma postura filosóficaemmoda na época (1758): o otimismo e a maneira como a guerra e a ganância eram aceitas como inevitáveis na sociedade civilizada. Condor, de Carlos Gomes, foi montada também em 2002, no VI Festival de Óperas de Manaus, com direção de Bruno Berger-Gorski e regência de Luiz Malheiro. A ópera narra a história de amor entre Odaléa, rainha de Samarcanda, e o nômade Condor, amor esse repudiado pela população do lugar, que não aceita um plebeu vivendo ao lado de sua rainha.

Preços acessíveis

A política de intercâmbio, que permitiu reduzir o custo das produções, também se reflete no preço dos ingressos, que variarão de R$ 40,00 a R$ 80,00. Quem preferir, poderá adquirir a assinatura de todos os grandes espetáculos do semestre, que inclui, além das três óperas, concertos com Nelson Freire, Kostantin Becker, Roberto Minczuk, Benedetto Lupo, Ligia Amadio e outros, e duas novas coreografias do Balé da Cidade de São Paulo. O preço das assinaturas varia de R$ 171 a R$ 405 (informações pelos telefones: 3334-1165 e 3334-1320 - segunda a sexta, das 10h às 13h, e das 14h30 às 17h).