Aulas gratuitas de balé na Casa de Cultura aumentam sensibilidade de jovens

Todos os sábados, na Casa de Cultura de Interlagos, jovens dos mais distantes bairros da zona sul reúnem-se para aprender, de graça, técnicas de dança contemporânea e balé neoclássico, aumentando sua auto-estima e sensibilidade.

Eliane de Assis Monteiro (Lia, como é conhecida) desde pequena queria ser bailarina ou, pelo menos aprender a dançar como uma. Mas, por ser de origem humilde, não tinha condições de freqüentar uma academia.

No entanto, aos 16 anos de idade, quando começou a trabalhar em uma empresa, teve sua primeira experiência direta com a arte, por meio de exercícios de alongamento, que uma profissional da dança passava para que os funcionários se sentissem mais dispostos.

Essa experiência a incentivou a matricular-se em uma academia de dança, afinal podia reservar parte do salário para esse fim. Lá, aprendeu diversas técnicas: clássico, neoclássico, contemporâneo, flamenco, entre outras. Ao terminar o curso, recebeu de uma escola municipal o convite que mudaria sua vida: o de passar parte de seu conhecimento em dança para jovens que, assim como ela, quando criança não tinham condições de pagar uma escola de balé. Foi assim que surgiu o “Projeto Gaya”.

O ano era 1997. O bairro, Cidade Dutra, zona sul. “Um trabalho que iria durar apenas um semestre acabou estendendo-se até hoje”, diz Lia. Tendo como base técnicas da dança contemporânea (sua especialidade) e do balé neoclássico (ensinado por sua irmã, Luciane), o Projeto permite aumentar a auto-estima, a sensibilidade e a integração social dos participantes.

O neoclássico tem uma forte influência do balé clássico e utiliza-se de posições tradicionais, levando em conta a dramaticidade. Já a dança contemporânea permite movimentos mais espontâneos. “As duas técnicas associadas possibilitam que tratemos, em nossas coreografias, da realidade de nossos alunos, que inclui falta de religiosidade, violência, desemprego e convivência familiar desgastada. Esses temas são recorrentes nas distantes regiões da cidade, de onde eles vêm”, afirma a coreógrafa.

“Trazendo essas questões para serem trabalhadas por meio da dança, existe, naturalmente, uma melhoria na autoconfiança e na forma como [os alunos] encaram esses problemas, pois o processo de conscientização inicia-se no íntimo da pessoa e se exterioriza em movimentos”, completa.

Gaya na Casa de Cultura

Profissionalmente, Lia é corretora de seguros, e Luciane, operadora de telemarketing. O trabalho que ambas vêm produzindo como coreógrafas é voluntário e já beneficiou, em oito anos de existência, mais de 1.000 alunos, entre jovens e adultos, vindos de diversos bairros da zona sul, como Parelheiros, Grajaú, Campo Belo, além de Cidade Dutra.

Desde fevereiro de 2004, o Projeto Gaya acontece na Casa de Cultura de Interlagos, aos sábados, a partir das 10h. A cada dois meses é apresentada a mostra Fragmentos, que conta com coreografias do Projeto, além de grupos de outras academias da região.

“O que mais impressiona os profissionais da dança participantes dos encontros é a rapidez e a qualidade dos nossos trabalhos. O que em uma academia particular levam-se seis meses ensaiando, nossas bailarinas, que têm muita vontade de aprender, fazem em um mês”, assegura Lia.

O Gaya apresenta-se também em outras mostras de dança. “Quando nossas meninas exibiram uma coreografia neoclássica inspirada na obra Carmina Burana, de Carl Orff, o público do Teatro Paulo Eiró aplaudiu freneticamente em pé”, conta Lia.

Novos rumos

Uma das alunas mais assíduas do curso é Cíntia Silmara Pedroso, 20 anos. A garota auxilia as professoras a ensinar as coreografias para as demais participantes. “É uma paixão. Como não tenho mais idade para ser bailarina profissional, resolvi seguir uma carreira que mexesse de alguma forma com o corpo, e, além deste curso, estou fazendo faculdade de educação física”, afirma.

A realidade de Cíntia, infelizmente, não é a de muitas meninas da periferia. “Há casos de colegas que abandonaram a oficina por terem engravidado ou por não terem dinheiro para pagar o ônibus”, diz ela.

Esse fato é constatado também por Lia. “Algumas meninas percorrem mais de uma hora a pé para chegarem aqui. Com o tempo, acabam desistindo. Mesmo assim, qualquer que seja a razão que as faça parar, vão se lembrar de que, em algum momento da vida, foram sensibilizadas pela arte da dança e poderão levar essa experiência para seu dia-a-dia, pois transformaram-se em seres humanos diferentes” .

Serviço Projeto Gaya - Dança Contemporânea e Balé Neoclássico Casa de Cultura de Interlagos Sábado, 10h Endereço: Rua Padre José Garzotti, 545, Cidade Dutra Telefone: 5669-2765