Velhas guardas de São Paulo se reúnem na Nenê da vila Matilde

Quadra da Nenê da Vila Matilde recebe os “bambas” do samba cantando, juntos, as histórias do ritmo na cidade. Será o 1° Encontro das Velhas Guardas das Escolas de Samba de São Paulo.

Com o objetivo de recuperar as raízes do samba paulistano, a Coordenadoria dos Assuntos da População Negra, da Secretaria de Participação e Parceria, promove no domingo (21/08), o 1º Encontro das Velhas Guardas das Escolas de Samba de São Paulo.

A presença de velhos bambas do carnaval paulistano na quadra da Escola Nenê de Vila Matilde, a partir das 12h00, dará aos demais presentes a oportunidade para conhecer um capítulo importante da história deste que é o mais brasileiro dos ritmos.

Uma dessas grandes presenças será Alberto Alves da Silva, o "Seu Nenê", 84 anos – que concedeu entrevista no sambódromo do Anhembi, esse templo do carnaval paulistano. Seu Nenê ainda era criança quando chegou em Itaquera com os pais e oito irmãos, em 1929. São Paulo estava longe de ser a metrópole que hoje conhecemos.

Com pouco menos de um milhão de habitantes, a capital paulista estava iniciando seu processo de crescimento e transformação. O ritmo também era outro. No lugar dos carros e do metrô, bondes elétricos e marias-fumaças cortavam a cidade – São Paulo começava a despontar como lugar de oportunidades.

Em Itaquera, seu Nenê ficou por menos de um ano. Logo mudou-se com a família para a Vila Matilde. Foi nessa época que sua vocação começou a aparecer: um dia, pegou um pote de goiabada, umas tampinhas amassadas, fez uns furos e estava montado seu primeiro pandeirinho. Foi assim que Seu Nenê começou no samba, como uma brincadeira, e é assim que continua até hoje.

Por volta dos anos 40, conheceu Russo do Pandeiro, "que me ensinou uns macetes. Ele conseguia jogar o instrumento para o alto, que girava, girava e caía na outra mão". Nenê já tinha um pandeiro de verdade, que seu pai havia achado num trem. "Cheguei em casa e tentei fazer o mesmo. Quebrei o pandeiro". Foram três meses treinando com latas de goiabada. Deixou de ser um moleque barulhento para virar o "Nenê do Pandeiro".

A paixão pelo samba se intensificou com um show que viu da Portela, liderada por Paulo Benjamim de Oliveira, o “Paulo da Portela”. "Ele ficava no palco e ia chamando os instrumentos. Primeiro entrou o surdo, depois o tamborim, daí o reco-reco. O último a entrar foi a cuíca. Aquilo me encantou. As cuícas de hoje são diferentes por causa do barulhão da bateria. Antes não tinha disso. Era uma banda de uns 20 e a cuíca fazia aquele ronco gostoso”, diz ele.

Naquela época se consolidavam cordões e escolas em São Paulo, como o da Barra Funda, de 1914, e a Lavapés, de 1937. Mas na década de 40 o carnaval conheceu seu período mais conturbado. Com o Estado Novo, fazer samba na rua era coisa de "negro safado", e a II Guerra Mundial complicou ainda mais as coisas. Não se via mais, desde 1939, a folia nas ruas, restando apenas festas em bailes fechados.

Parecia que o carnaval ia morrer. Na tentativa de revivê-lo, Nenê, alguns irmãos e amigos fundaram, no último dia de 1948, uma escola de samba, inspirada na Portela, que recebeu inicialmente o nome de 1º de Janeiro, e dois dias mudou para Nenê de Vila Matilde. O carnaval renascia com fôlego novo.

Depois disso, surgiram outras escolas, como a Peruche, Vila Maria e a Camisa Verde e Branco. Os desfiles aconteciam na rua Direita. Mas o carnaval de 1954, realizado no Ibirapuera, ficou marcado pela desorganização e falência de muitas escolas, como Brasil de Ouro, Brasil Moreno e Rosas Negras, que acumularam dívidas visando fazer desfiles grandiosos.

O fato motivou os principais líderes do samba paulistano a montar, em 55, uma entidade para organizar o carnaval, que teve como fundadores Seu Nenê, Dona Eunice da Lavapés (tia e madrinha de Mestre Tadeu, da Vai-Vai), Pé Rachado, Carlão do Peruche, Inocêncio Tobias, e Zezinho do Morro, da Casa Verde.

Mesmo tendo obtido o direito de organizar o carnaval, as escolas ainda brigavam para conseguir que a cidade patrocinasse a festa, o que aconteceu em 1968, quando as escolas desfilaram no vale do Anhangabaú. Em 1972, os cordões foram transformados em escolas e os desfiles, antes separados, foram unificados.

Em meados dos anos 70 o desfile mudou-se para a avenida Tiradentes. Em 1991, o samba de São Paulo finalmente ganhou casa própria: o Sambódromo do Anhembi, com capacidade para 30 mil pessoas, onde até hoje é realizado o desfile – um espetáculo que atrai pessoas de todo o Brasil e do mundo.