Hábitos e cotidiano da população paulistana no início do Império

No lugar em que observamos imensos edifícios, próximo ao Pátio do Colégio, via-se apenas um simples teatro, a Casa de Ópera, único ponto de entretenimento da época.

Moisés Santos

Uma pequena vila com uma população em torno de 10 mil habitantes, cercada por verdes vales dos rios Tamanduateí e Anhangabaú. Imensas áreas de chácaras que avançavam até onde hoje é a movimentada Rua 15 de novembro. No lugar em que observamos imensos edifícios, próximo ao Pátio do Colégio, via-se apenas um simples teatro, a Casa de Ópera, único ponto de entretenimento da época.

Um local freqüentado pelos grandes proprietários rurais que, além de terem o domínio econômico também ocupavam os cargos públicos de expressão como vereadores e presidente da província.

O setor comercial da cidade resumia-se apenas ao “triângulo central” onde hoje estão localizadas a Rua São Bento, Rua Direita e 15 de novembro. “Uma região rústica, fria e escura”, segundo narravam muitos viajantes. São Paulo, em 7 de setembro de 1822.

Contam alguns historiadores, D. Pedro teria vindo a São Paulo consolidar sua autoridade de príncipe regente e para contornar uma crise política local. A expedição, partindo da Corte, no Rio de Janeiro, em direção a São Paulo foi demorada, feita ao longo do Vale do Paraíba.

Temendo a formação de um grupo oposicionista à sua regência, D. Pedro resolveu intervir pessoalmente a fim de serenar os ânimos. Chegou em São Paulo em 25 de agosto de 1822 e logo a contenda foi solucionada. Algumas versões contam também que D. Pedro aproveitou a ocasião para dar umas “escapadas” para uma das residências de Domitila de Castro, a Marquesa de Santos.

Mesmo com as significativas mudanças políticas após a independência, o interesse do governo central pelo meio urbano continuou reduzido. Segundo explica o arquiteto da USP Nestor Goulart Reis, em seu livro São Paulo Vila Cidade Metrópole, “o governo imperial centralizava seu poder no Rio de Janeiro e durante muitos anos procurou enfraquecer as províncias”.

O urbanismo era um instrumento de controle da população com o objetivo de assegurar a presença de um caráter tipicamente português. Em 1823, a vila recebeu o título de “Imperial Cidade de São Paulo”.

No entanto, apesar do título poucas foram as transformações ocorridas. A historiadora Maria Lúcia Perrone Passos, chefe da Seção de Levantamento e Pesquisa do Departamento de Patrimônio Histórico da Secretaria de Cultura, explica com base em ampla pesquisa desenvolvida nos últimos anos, citando Aroldo de Azevedo, que dentro do limite urbano a cidade continuava modesta e sua área de ocupação não diferia da abrangida no século XVIII.

Os pontos extremos desta aglomeração eram, sobre o Tamanduateí, a Ponte do Fonseca, onde hoje termina a rua Tabatingüera; a ponte do Miguel Carlos sobre o Anhangabaú, perto da confluência com o Tamanduateí; o Largo da Forca (hoje Praça da Liberdade) de onde partia o Caminho do Mar; a Estrada do Mata Fome ou do Aniceto (trecho do Caminho dos Pinheiros, que tinha início no antigo “Piques”, atual praça da Bandeira) e a Ponte do Acu, onde começa a atual avenida São João.

Para os lados da Luz, através do Caminho do Guaré, chegava-se ao Jardim Botânico, à Casa de Correição e ao Convento da Luz, construídos fora do perímetro urbano. Dali para a frente, a população paulista praticamente dobrou a cada vinte anos, espalhando-se por zonas até então pouco habitadas, muitas delas em várzeas de rios.

As principais ruas a Leste eram a Ladeira do Carmo, atual Rangel Pestana, e a Tabatingüera, ladeira acentuada que descia em direção ao rio Tamanduateí.

A Tabatingüera era a principal via de acesso à região da cidade hoje conhecida como Baixada do Glicério, um segmento das terras situadas no sopé da colina histórica.

Estes terrenos tornavam-se mais valiosos à medida que estavam mais próximos da colina central e mais desvalorizados nas ladeiras, ou morro abaixo, nas vizinhanças do Tamanduateí, rio navegável por pequenas embarcações que atracavam no “porto geral”, onde hoje fica a Rua 25 de Março.

De acordo com o antigo historiador Afonso de Freitas, a Ladeira do Porto Geral era a principal via de comunicação da colina histórica com o rio, cujas águas corriam livres, marcando à Sudeste os confins da cidade e o início da zona rural.

Já a denominação para a conhecida Rua do Lavapés, surgiu devido ao antigo caminho alagadiço e barrento que partia da Baixada da Glória em direção ao Ipiranga, à Serra do Mar e ao litoral, unindo a vila de São Paulo a Santos. As águas se espraiavam pela várzea do rio Tapanhoim, nos períodos de cheia, e invadiam os quintais das residências.

E os viajantes e moradores das terras contíguas, onde se cultivavam hortaliças, quando vinham a São Paulo, lavavam seus pés num pequeno córrego, divisa entre a vila propriamente dita e a zona rural, para não sujar as igrejas ao adentrarem a cidade.

Dois fatores, no entanto, foram fundamentais para impulsionar o desenvolvimento da cidade. O que ocasionou seu “renascimento”, conforme Maria Lúcia Perrone, “foi a Fundação da Faculdade de Direito do Largo de São Francisco em 1827, por determinação de D. Pedro I, e a construção da Estrada de Ferro Santos Jundiaí, em 1867”.

Com a estrada de ferro, os fazendeiros começaram realmente a construir a São Paulo moderna. A partir deste momento, aumentaram os investimentos públicos e a cidade de São Paulo deixou, definitivamente, de ser conhecida como uma simples província, para alcançar seu destino e tornar-se a maior metrópole da América Latina.