O palco não é o limite

Rio, presídio e casarão são cenários de representação teatral.

Apresentar-se em locais inusitados, fora do palco tradicional, foi o caminho escolhido por alguns grupos para transmitir aos espectadores sensações reais dos temas de seus espetáculos. Essa atitude inusitada pretende criar uma interatividade do espaço cênico com o assunto abordado.

Com propostas como essas, alguns espaços alternativos da cidade têm servido de laboratório para dois grupos teatrais: “Teatro da Vertigem”, no rio Tietê, e “Os Fofos Encenam”, no Casarão Belvedere, ambos contemplados pela Lei Municipal de Fomento.

À Margem do Rio

Dirigido por Antônio Araújo, o grupo “Teatro da Vertigem” já possui um histórico de apresentações em espaços alternativos (como em “O Paraíso Perdido”, de 1992, na igreja Santa Ifigênia; “O Livro de Jô”, de 1995, no Hospital Humberto Primo; e “Apocalipse 1,11”, de 2000, no presídio do Hipódromo) e estréia, este mês, o espetáculo “BR3”, com dramaturgia de Bernardo Carvalho, no rio Tietê.

Tendo início em um porto que será construído especialmente para o espetáculo e com paradas nas margens, a peça percorrerá cerca de 8km do rio dentro de um barco.

O trabalho, que teve início em março de 2004, partiu da pesquisa do tema com as cidades de Brasília (DF) e Brasiléia (AC) e o bairro paulistano Brasilândia, oferecendo oficinas e workshops nesses locais. Das oficinas realizadas em Brasilândia, dois atores do atual elenco foram selecionados: Bruno Batista e Denise de Almeida.

Morador do bairro, Bruno diz que se identificou com o trabalho. “A peça mostra o senso comum que as pessoas têm no aspecto negativo da periferia, mas não pensam na causa de tudo isso”, afirma o ator que começou a fazer teatro um ano antes de entrar para o Vertigem, no projeto Teatro Vocacional do CEU da Paz.

A história de “BR3” começa com a construção de Brasília, da qual participa um chefe de família. Após a morte deste, seus parentes decidem vir para São Paulo e vão morar na periferia, simbolizada pela cidade de Brasiléia. A miséria do local, passada de pai para filho resulta no desejo da não consciência do meio em que se vive.

Para realizar a peça o grupo terá a colaboração e o apoio do Corpo de Bombeiros, da CET (Companhia de Engenharia de Tráfego), da S.O.S. Mata Atlântica, da Polícia Militar e do DAEE (Departamento de Águas e Energia Elétrica), que garantirá a segurança e a viabilidade do espectador ao local.

“Sem o incentivo do Fomento e o apoio do DAEE não faríamos o espetáculo”, explica Roberto Áudio, um dos atores que está há mais tempo no grupo.

O Casarão

Localizado na região da Bela Vista e tombado pelo Patrimônio Histórico em 2002, o Espaço Cultural Dona Julieta Sohn, conhecido como Casarão de Belvedere, é o último vestígio das construções francesas do século XIX no bairro. Foi este local que o grupo teatral “Os Fofos Encenam” escolheu para encenar o espetáculo “Assombrações do Recife Velho”.

Considerando o ambiente apropriado para a peça, por ser um sobrado antigo e cheio de memórias, o diretor Newton Moreno fez uma analogia do tema com o Casarão de Belvedere.

O Grupo “Os Fofos Encenam” firmou sua identidade como uma cia. profissional de teatro de repertório em 2000, com a peça “Deus Sabia de Tudo e Não fez Nada”, que trocou a apresentação do palco convencional pelo camarim. Devido à temática e ao envolvimento com o público, foi encenada em horário pouco habitual para um espetáculo: meia-noite.

Por meio do patrocínio de Vitae, o diretor e ator pernambucano Newton Moreno pôde fazer uma pesquisa aprofundada com alguns moradores dos vilarejos de Recife e dos textos do sociólogo Gilberto Freyre, consagrado por seu teor regional e por valorizar o Nordeste. A partir dessa pesquisa, adaptou para o teatro a obra Assombrações do Recife Velho.

Segundo Moreno, o Casarão lembra um local mal-assombrado e, por isso, o público de em média 25 pessoas entra com certa expectativa e sem saber o que vai acontecer. Com muita descontração, os atores dialogam com o público e o espetáculo inicia trazendo personagens populares que contam os mais diversos “causos”: fantasmas que assombravam a região nordestina, a velhinha que morreu três vezes e visitou o céu e o inferno, a perna cabeluda, alma-penada na senzala, o homem que desejava ver assombrações, entre outros.

O espetáculo utiliza linguagem em forma de prosa, do autor Gilberto Freyre, que usa muitas figuras de linguagem envolvendo o público com mistério e humor.