Cambuci: 99 anos de guerra, artistas e decadência

Reduto de artistas, foi ali que viveu durante praticamente toda sua vida o pintor Alfredo Volpi, além do também pintor Carlos Rotella, Monteiro Lobato e Jânio Quadros. Hoje, a região hoje está degradada, tomada por cortiços.

Oficialmente, o Cambuci completou 99 anos em 19 de dezembro. Extra-oficialmente, o bairro é um pouco mais velho. Por ali passava uma trilha por onde se chegava ao Caminho do Mar, ou seja, à baixada santista. A partir de 1850 formou-se um pequeno núcleo de chácaras e comércio ao redor da trilha. Considerada área de divisa entre as zonas rural e urbana de São Paulo, os tropeiros e viajantes lavavam os pés no córrego (hoje rua Lavapés) antes de entrar na área urbana.

Em 1870, aquele amontoado de chácaras ganhou a capela de Nossa Senhora de Lourdes, anos mais tarde transformada em igreja da Glória. Nas primeiras décadas do século XX o Cambuci serviu de moradia aos imigrantes, especialmente italianos, que trabalhavam como operários nas fábricas da região, e foi um dos berços do anarquismo e das greves. Mais postos de trabalho foram abertos em 1900, com a instalação da oficina da Light, hoje Eletropaulo. A área de 160 mil m² é utilizada como depósito pela empresa, mas encontra-se preservada.

Durante a revolução de 1924 a igreja foi transformada em quartel-general dos rebeldes por ficar em um ponto alto da área central. O domínio durou 23 dias e aterrorizou a população do Cambuci, um dos bairros mais atingidos pelos combates. A igreja não saiu ilesa: uma das suas torres foi destruída.

Mas o Cambuci foi também o reduto de artistas. Foi ali que viveu durante praticamente toda sua vida o pintor Alfredo Volpi, além do também pintor Carlos Rotella, Monteiro Lobato e Jânio Quadros. A região hoje está degradada, tomada por cortiços. A grande quantidade de viadutos atrai moradores de rua e praticamente inexistem opções de lazer e cultura. “O Cambuci é a periferia do centro”, lamenta Gilberto Amatuzzi, diretor do clube dos lojistas do bairro.

Ele torce e batalha para que o Cambuci também lucre com a onda de revitalização do centro de São Paulo. “Há muitos prédios sendo erguidos”, diz ele, sonhando com o futuro.

Uma das mais tradicionais festas religiosas da cidade nasceu e é realizada há 80 anos na rua Lavapés: a malhação de Judas. No sábado de Aleluia a população sai às ruas para malhar e queimar os ‘judas’ do ano. Entre eles sempre estão políticos e personalidade de destaque internacional que tenham despertado a ‘ira’ da população.

Para erguer a auto-estima dos moradores a Subprefeitura Sé e o jornal local prepararam uma grande festa em comemoração ao 99° aniversário do Cambuci, um aquecimento para o centenário. No sábado, o C.E.E Rubens Pecce Lordello recebeu a comunidade com apresentações de coral, teatro, ginástica olímpica, hidroginástica e torneio de bocha.

No domingo, a festa foi na avenida Lacerda Franco, com barracas de entidades filantrópicas, serviços de saúde, bazar, música e teatro. E teve ainda um presente: o lançamento do livro ’’Cambuci ontem e hoje – de 1906 a 2006’’, de autoria do morador que é a memória-viva do bairro, Atílio Lucchini, de 95 anos.