Homossexualidade no cinema brasileiro é tema de curso na Biblioteca Mário Schenberg

Oficina com o crítico Mateus Nagime começa dia 7 de maio e conclui com a realização de roteiros de curta-metragem

Um homem solitário e sem o menor jeito na arte da sedução encontra uma mulher que aceite se casar com ele. No altar, entretanto, ele descobre que a sua noiva é, na verdade, um travesti. Constrangido, o personagem sai correndo, entra em um balão e vai para o céu. Esse é o enredo de “Augusto Aníbal Quer Casar” (1923), de Luiz de Barros, considerada por muitos a primeira obra do cinema brasileiro a abordar a homossexualidade. Quem conta essa curiosidade é o crítico Mateus Nagime, que ministra o curso “Homossexualidade no Cinema Brasileiro” a partir do dia 7 de maio, na Biblioteca Mário Schenberg. Serão ao todo 12 encontros em que serão realizados, em pequenos grupos, roteiros para um curta-metragem.

Apesar dos mais de cem anos do cinema brasileiro, o crítico Mateus Nagime acredita que o tema só passou a ganhar relevância na filmografia nacional nos últimos cinco. Nagime afirma que o assunto começou a chamar atenção do público e promover um debate apenas em 2002, com o lançamento de “Madame Satã”, de Karim Aïnouz – o que se intensificou nos últimos cinco anos, especialmente nos curtas-metragens. “Isso deixa a gente em uma posição interessante, afinal o tema é mencionado e discutido já há mais de meio século – pelo menos já nos anos 1960 a representação da homossexualidade era uma questão -, mas de ser um assunto em si só a partir de ‘Madame’”, explica. O crítico ainda lamenta que os historiadores, em sua opinião, não estudem muito a representação da sexualidade no cinema. “Eu diria que o cinema brasileiro todo está calcado na sexualidade, ainda que sempre de uma forma dominante - o que chamamos hoje de heteronormativa”, pontua.

Sobre a produção atual, Nagime vê uma multiplicidade de perspectivas sobre a homossexualidade. Ele afirma evitar a ideia de representação “positiva ou negativa”, ao falar especificamente sobre a comédia “Crô – O Filme”, de Bruno Barreto. “A questão pode ser: por que esse filme faz um sucesso enorme e outro não?”, indaga. “Mas acho que não podemos desprezar a personagem ou o estereótipo apresentado pelo filme”. Para ele, é importante levar para um público bem amplo um longa-metragem cujo protagonista é homossexual. “Temos que pensar qual o tipo de público, por quem ele foi feito, e qual mensagem ele transmite”, conclui.

Confira trechos da entrevista com o crítico:

Em Cartaz: Os primeiros retratos da homossexualidade no cinema brasileiro eram dotados de preconceito ou caricaturais?
Mateus Nagime: Eu diria que eles eram velados. Ou seja, podia-se mostrar duas amigas ou dois amigos muito próximos, mas só isso. O assunto nem era discutido. Agora nunca saberemos se era "compreendido" ou se algumas pessoas pelo menos se viam representadas... Claro que também existiam os retratos caricaturais e isso vem do teatro, de revista e um pouco da literatura.

Em Cartaz: O Cinema Novo, que era contrário às chanchadas carnavalescas, mudou também a forma como a homossexualidade era representada?
MN: Muito pouco. Ainda que fosse, geralmente, contra os estereótipos cômicos, outros estereótipos, especialmente voltados a questões sociais, continuaram. As personagens na maioria dos casos, representam figuras de uma nação e precisaria do Cinema Marginal, que veio logo depois, para mudar isso.

Em Cartaz: Você acredita que a homossexualidade ainda é tabu ou vista com preconceito no cinema brasileiro?
MN: Acho que é um pouco ainda, no sentido de que se esperam alguns filmes homossexuais e de que personagens homossexuais não participam de outros filmes.

Em Cartaz: A homossexualidade feminina é ainda menos representada nos dias de hoje. Por que isso acontece?
MN: O que acontece é um círculo vicioso. Poucos filmes sobre ou feitos por lésbicas foram realizados e eles circulam pouco. Assim, as pessoas que queiram fazer filme com um assunto/tema/estilo lésbico possuem poucos referenciais, poucos exemplos para seguir ou brigar. Temos exemplos esporádicos: “Vera”, de Sergio Toledo Segall, que ganhou o prêmio de melhor atriz no Festival de Berlim; “Como Esquecer”, de Malu de Martino; e “Flores Raras”, de Bruno Barreto.

Por Gabriel Fabri

Serviço: | +12 anos. 20 vagas. Inscrições até dia 6/5, presenciais, pelo email bpmschenebrg@gmail.com ou pelos telefones 3672-0456 ou 3675-1681. Biblioteca Pública Mário Schenberg. R. Catão, 611, Lapa. Zona Oeste. | tel. 3672-0456 e 3675-1681. De 7/5 a 30/7. Sáb., das 13h às 17h. Grátis