“A Neve ou Fora de Controle” retrata um Brasil distópico às vésperas de um Golpe de Estado

Peça fica em cartaz no CCSP até o dia 15 de setembro

Um homem desaparece no Rio de Janeiro, após começar a nevar na cidade. Paralelamente, um atentado terrorista deixa 300 mortos no Estádio do Maracanã e um grupo de pessoas estranhas, com narizes de palhaço pretos, planeja um Golpe de Estado. Essa é a premissa de “A Neve ou Fora de Controle”, peça que estreia no Centro Cultural São Paulo (CCSP). Em cartaz até o dia 15 de setembro, a peça encerra a 5ª edição da Mostra de Dramaturgia em Pequenos Formatos Cênicos do CCSP.

O diretor e dramaturgo René Piazentin inspirou-se em “O Rinoceronte”, peça de Eugène Ionesco escrita em 1959, para criar a história. “Foi no sentido de um paralelo direto com a ideia de um embrutecimento progressivo da sociedade”, explica. “No texto do Ionesco, a ascensão das figuras grotescas dos rinocerontes não é percebida, de início, como uma ameaça, pelo contrário, as pessoas banalizam o surgimento deles.”

Assim foram inspiradas as figuras das pessoas com narizes de palhaço pretos, associadas ao estranho e ao grotesco. O mesmo pode se dizer da neve que cobre o Rio de Janeiro e vai se espalhando para todo o Brasil. “É uma neve que não é gelada, é esquisita, gera um encantamento nas pessoas e vai tomando conta de tudo”, descreve o diretor. “Ela carrega o signo desse discurso que começa a se tornar hegemônico, dessas ideias que viraram lugar comum, uma fala pronta do ponto de vista político que, aos poucos, vai tomando conta de tudo”. Na peça, tanto a neve quanto os indivíduos com os narizes de palhaço só são percebidos como um risco quando já é tarde demais.

Piazentin começou a desenvolver a história em 1996 e a tirou da gaveta em 2016, após o “impeachment” da presidenta Dilma Rousseff. No primeiro momento, a ideia era tratar o golpe de 1964 de maneira não realista. “A ideia dos narizes de palhaço já era dessa época, uma forma de caracterizar as figuras associadas ao golpe, uma massa que vai crescendo e aderindo a ele”, explica. Na segunda versão do texto, surgiu a oportunidade de criar paralelos com a história não só do golpe civil-militar que destituiu o presidente João Goulart, mas também com os acontecimentos mais recentes do país.

O presente e o passado, portanto, se misturam. Um exemplo é uma cena que já estava na dramaturgia em 1996, mas que ganhou novos significados hoje: um presidente reunido com os seus ministros para analisar a conjuntura em que tentam puxar o seu tapete. “A inspiração era o início da década de 1960, mas agora ela acaba dialogando com 2016”, afirma o diretor. “Não existe nada explicitamente vinculado a uma figura específica, mas há situações e períodos que criam paralelos entre si”, conclui.

Por Gabriel Fabri

Serviço: Centro Cultural São Paulo. R. Vergueiro, 1.000, Paraíso. Próximo da estação Vergueiro do metrô. Centro. | tel. 3397-0001 e 3397-0002. Até 15/9. Sextas e sábados, 20h30. Dom., 19h30. R$ 20.