Com protagonista negro, “O Beijo no Asfalto” desnuda preconceitos da família tradicional brasileira

Texto de Nelson Rodrigues é encenado no Teatro Arthur Azevedo a partir desta sexta-feira, dia 7

Ao socorrer um desconhecido atropelado na rua, um homem recebe um pedido inesperado dele, que está à beira da morte: um beijo na boca. As consequências desse ato no Brasil dos anos 1960 são retratadas no que se tornou um dos textos mais lembrados de Nelson Rodrigues. Com montagem do Núcleo Experimental, “O Beijo no Asfalto” chega ao Teatro Arthur Azevedo a partir do dia 7, tendo agora um ator negro no papel principal.

A decisão de escalar Anderson Negreiro como o protagonista foi com o intuito de trazer ainda mais camadas de leitura ao espetáculo, que desnuda preconceitos enraizados na sociedade brasileira. “Você já tem todas essas violências que são dirigidas a ele por um simples beijo”, conta o diretor Bruno Perillo. “Somando o fato de ele ser negro, então, você traz junto toda uma história desse país, a escravidão e tudo o que dela se originou.”

Essa novidade apresenta também uma nova leitura para o desfecho da peça, conhecido por sua emblemática revelação. “Há uma figura branca, da família da elite brasileira, que é incapaz de amar”, explica Perillo. “É como se a gente não conseguisse, enquanto nação, aceitar o que nós somos. É um não a qualquer possibilidade de romper a desigualdade.”

Para o diretor, Nelson Rodrigues foi perspicaz em sua leitura da família brasileira, uma vez que, 60 anos depois, a peça continua atual. “Ela revela esse traço retrógrado da família brasileira, que se calca em valores de elite e tem medo de perder seus privilégios”, afirma. Essas características conservadoras da tradicional família brasileira são ainda mais atuais nos dias de hoje. “Quinze anos atrás talvez o texto não tivesse o impacto que tem hoje, pois estamos em um retrocesso claríssimo e evidente, em todos os aspectos”, conclui.

Por Gabriel Fabri

| Teatro Arthur Azevedo. Av. Paes de Barros, 955, Mooca, Zona Leste | tel. Tel. 2605-8007. De 7/2 a 1/3. Sexta e sábado, às 21h, domingo, às 20h. R$ 30. 14 anos.