16ª Semana de Valorização do Patrimônio encerra com reflexão sobre a participação popular na proteção da memória da cidade

Representantes de entidades civis debateram a importância de preservar (e redescobrir) a identidade de bairros e personagens históricos desde o centro até as periferias

Depois de cinco dias de debates abrangendo diferentes perspectivas sobre a história e a memória de São Paulo, a 16ª Semana de Valorização do Patrimônio chegou ao fim, trazendo na rodada final um tema-chave: a participação popular e cidadã na preservação do patrimônio. A conversa foi conduzida por Priscila Machado, da Secretaria Municipal de Cultura, e teve como participantes quatro representantes de entidades civis: Marcella Arruda, do Instituto A Cidade Precisa de Você; Renata Eleutério, do Centro de Pesquisa e Documentação Histórica de Guaianás (CPDOC); Lucila Lacreta, do Movimento Defenda São Paulo; e Abílio Ferreira, do Instituto Tebas.

Cidadania ativa e senso de identidade
Arruda trouxe ao debate a experiência com iniciativas do que ela chamou de “cidadania ativa”: a apropriação do espaço público por indivíduos ou coletivos preocupados em cuidar de seus bairros, seja preservando áreas de vegetação nativa, seja ocupando o espaço com ações educativas. Em suas palavras, essas são “pessoas que estão construindo a cidade no seu cotidiano”. O instituto que ela representa é prova disso: nasceu de uma união de moradores do Largo da Batata, que conseguiu transformar a dinâmica da praça que dá nome ao bairro antes de se expandir para apoiar outros movimentos semelhantes. Para que ações como essas possam existir e prosperar, Arruda destacou a importância da parceria com o poder público, capaz de legitimizar e dar estrutura a quem quer participar ativamente na preservação da cidade.

A cientista social Renata Eleutério, por sua vez, compartilhou a experiência com o resgate da história e da cultura paulistana em regiões afastadas do centro, com foco nos bairros de Lajeado, Guaianases, Cidade Tiradentes e São Mateus, no extremo leste da capital. Ela relatou o sucesso de exposições independentes realizadas na região, como uma coleção de murais no estilo “lambe-lambe” distribuídos em torno da linha de trem, e outra realizada em parceria com a Biblioteca Municipal Cora Coralina – referência entre os moradores da região. A palestrante notou, porém, a dificuldade encontrada para trabalhar com arquivos pessoais, pertencentes aos próprios moradores que, por desconhecimento ou falta de condições adequadas, acabam se desfazendo de documentos preciosos para a memória da cidade, como fotografias. Parte da solução, ela aponta, passa pela construção de museus e arquivos menos centralizados, que permitam o acolhimento e a exposição adequada desses materiais.

Preservar um senso de identidade local também foi uma das preocupações de Lucila Lacreta em sua fala. Representante do Movimento Defenda São Paulo, congregação de associações de moradores, ela aproveitou a ideia da preservação da natureza levantada por Arruda, e da preservação da história levantada por Eleutério, para relembrar a origem dos chamados bairros-jardins – regiões paulistanas que foram urbanizadas sob um modelo inglês que priorizava o espaço verde e limitava a área ocupada de cada lote. Alguns desses bairros, explicou, foram tombados, preservando características-chave como as ruas largas, a amplitude de áreas permeáveis e a ausência de construções no subsolo (essencial em terrenos de várzea). Hoje em dia, espaços assim se tornaram raros, tornando urgente a discussão sobre novas formas de garantir a qualidade do ar e permeabilidade do solo diante do avanço da verticalização na cidade.

Abílio Ferreira fechou a rodada com uma reflexão sobre a linguagem e seu poder na manutenção de estruturas hierárquicas no imaginário de um povo. Então, colocou em pauta uma questão que ocorreu no bairro da Liberdade, na região central, mas que pode representar o complexo dilema da identidade em outras regiões: a praça principal teve seu nome recentemente alterado para Japão-Liberdade, o que reconheceu parte das identidades associadas ao espaço, mas acabou eclipsando outra parte importante de sua história junto à população negra. Simultaneamente, vestígios de um sítio arqueológico ligado à Capela dos Aflitos foram descobertos, trazendo à tona essa história. O que se percebe, em meio a tantos pontos de vista e histórias distintas, é um inesperado consenso: o de que São Paulo é uma cidade múltipla e, cada vez mais, faz-se necessário trazer essa pluralidade de identidades para a museologia, para as escolas e para a paisagem urbana.

Uma São Paulo mais cidadã
Para o futuro de São Paulo, o grupo expressou o desejo comum de ver uma cidade ainda mais cidadã – uma que incentive a participação popular na construção do espaço público; que expanda seu olhar para além das regiões centrais; e que reconheça uma história ampla e diversa, menos branca e menos masculina.

Em sintonia com essa visão, a Secretaria Municipal de Cultura já vem trabalhando no sentido de ampliar a diversidade de figuras históricas representadas em monumentos, como Maria Carolina de Jesus, que ganhará em breve uma estátua na região de Parelheiros, e Madrinha Eunice, que estará no bairro da Liberdade. Como ação educativa, a Secretaria também prepara a instalação de totens informativos junto a obras de valor histórico, propondo o conhecimento com reflexão crítica sobre a memória paulistana.

A 16ª Semana de Valorização do Patrimônio é um evento anual que antecede a Jornada do Patrimônio, que, em 2021, acontecerá entre os dias 11 e 12 de setembro. Todos os debates ocorridos entre 16 e 20 de agosto podem ser conferidos na íntegra clicando aqui: https://www.youtube.com/c/dphconpresp/videos .

Por Juliana Varella