Ciclo Modernismo 22+100, episódio 11: “O cânone não tem que ser destruído, tem que ser ampliado”

Bate-papo contou com a participação de Inaiá Araújo, Lu Big Queen, Felipe Chaimovich e Gabriel Chagas, e teve mediação de Leandro Lehart

Para aquecer os motores às vésperas do centenário da Semana de Arte Moderna de 1922, a Secretaria Municipal de Cultura preparou um ciclo de conversas, em forma de podcast, com artistas e produtores culturais para discutir os paralelos entre a arte brasileira contemporânea e o espírito modernista daquela época. Já passaram pelo projeto, chamado de Ciclo Modernismo 22+100, nomes como Zé Celso Martinez Corrêa, Tom Zé, Bia Lessa, Kondzilla, José Miguel Wisnik, Renata de Almeida e muitos outros. Os episódios estão disponíveis nas plataformas Spotify, Anchor.fm, Apple Podcasts, Deezer, Google Podcasts e, em vídeo, no Youtube.

No 11o episódio, o diretor do Centro Cultural São Paulo, Leandro Lehart, recebeu quatro participantes, entre artistas e pesquisadores, para um bate-papo sobre a cultura brasileira e sua relação com cânones e outsiders, cem anos após a Semana de 1922. Embalados por um clima de “novas independências”, já que esse será também o bicentenário da Independência do Brasil, Inaiá Araújo, Luciane Barros (Lu Big Queen), Felipe Chaimovich e Gabriel Chagas falaram sobre carnaval, cultura afro-urbana, sobre os bastidores da Semana e as dificuldades de trabalhar longe do público em tempos de distanciamento social.

Tecendo laços entre presente e passado, a poeta, compositora, artesã e contadora de histórias Inaiá Araújo chamou a atenção para a história das mulheres quilombolas e para o papel de blocos e cordões carnavalescos na recuperação dessa e de outras narrativas, trazendo-as para mais perto do público na forma de música e dança. “Toda quebrada é um quilombo”, lembrou. “[A quilombola] Teresa de Benguela somos todas nós”. Para Lu Big Queen, atriz, modelo e CEO da África Plus Size Brasil, a arte afro-urbana tem um papel central na atualização dessa história, trazendo para o centro da cidade a identidade das periferias, seus questionamentos e suas criações.

Para entender como esse Modernismo de 2022 - um modernismo “plural”, como apelidaram os participantes - pode dialogar com o de 1922, o professor de História da Arte Contemporânea e crítico de arte da Fundação Armando Álvares Penteado, Felipe Chaimovich, levantou a necessidade de se conhecer, também, a história daquele evento, desde a figura do seu principal patrocinador, Paulo Prado. Investigando a Semana por esse prisma financeiro, encontram-se relações interessantes entre a abolição da escravidão, a substituição da mão-de-obra africana pela italiana, e a ascensão de uma arte produzida por artistas negros, que vão representar o Brasil, por exemplo, na Exposição Universal de Paris no final do século XIX.

Para Gabriel Chagas, historiador da Universidade Federal do Rio de Janeiro e pesquisador de literatura afro-brasileira, a história do modernismo também se relaciona diretamente à história de um autor carioca que não participou da Semana e que tinha grandes ressalvas em relação ao evento paulista: Lima Barreto. Falecido no ano de 1922, Barreto trocou cartas e farpas com os artistas modernistas, mas seus interesses enquanto autor não eram tão diferentes - romper com a arte acadêmica e oficial.

E, se era nessa ideia de “rompimento” que se ancorava o Modernismo do século XX, no XXI o valor mais forte parece ser “abertura” ou “ampliação’: abertura a questões afro-urbanas, feministas, queer, a artistas diversos e a culturas, no plural. “A palavra cultura está diretamente ligada à palavra cânone”, explicou Chagas, problematizando a elitização que tende a acompanhar a palavra. Ora, com a adoção de um cânone formado por artistas pouco representativos, corre-se o risco de ter uma “arte nacional”, também, pouco representativa e distante. “O modernismo que estamos construindo é esse modernismo plural”, analisa. Portanto, “o cânone não tem que ser destruído, tem que ser ampliado”.

Por Juliana Varella

Ouça a conversa completa no Podcast Modernismo 22+100:

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