Estudo alerta para o número de casamentos e uniões de meninas no Brasil

 

 

“Em números absolutos, o Brasil ocupa a quarta posição no ranking internacional de uniões de meninas e está entre os cinco países da América Latina e Caribe com maior incidência de casos”. A informação faz parte do trabalho da ONG Plan International “Tirando o Véu – Estudo sobre Casamento Infantil no Brasil”, divulgado nesta terça-feira, 25, em evento conjunto com o Ministério Público do Estado, seguido de debate.

O estudo foi realizado em oito países da América Latina e Caribe: Brasil, Bolívia, El Salvador, Guatemala, Honduras, Nicarágua, Peru e Republica Dominicana, identificando causas e consequências de forma a propiciar uma intervenção baseada em evidências.

O casamento infantil (o termo se refere a casamentos e uniões ocorridos antes dos 18 anos de idade) prejudica o desenvolvimento das meninas, é causa de evasão escolar e está vinculado à questão de desigualdade de gênero. Também tem implicações, segundo o estudo, de natureza criminal, já que foi detectado um grande número de uniões com crianças de 10 a 14 anos, o que caracteriza estupro de vulnerável.

O estudo utiliza metodologia desenvolvida pela Plan que inclui diversidade de métodos em dois níveis de investigação: nacional, com levantamento e análise de dados secundários sobre meninas adolescentes em casamentos e uniões forçadas e precoces e sobre outros termos correlatos; e, amostral, com levantamento e análise de dados primários, realizados por meio de pesquisa de campo.

O uso da metodologia chamada “snap”, utilizada para explorar aspectos comportamentais, foi aplicada em grupos compostos por meninas de 10 a 17 anos não casadas; meninos de 10 a 17 anos não casados; meninas casadas com menos de 18 anos; mulheres de 18 a 25 que se casaram ainda adolescentes; maridos que, na ocasião, se casaram adolescentes; e outros públicos como familiares, responsáveis por meninas casadas e agentes públicos.

O estudo amostral brasileiro foi realizado na Bahia, nos municípios de Salvador, Camaçari e Mata de São João, e no Maranhão, no município de Codó, em localidades onde a Plan tem projetos estruturados e estados que figuram, respectivamente, em quinto e décimo lugares no ranking de casamentos ou união de meninas adolescentes registrado pelo IBGE em 2015.

O fenômeno é pouco visível e há necessidade de a discussão ser ampliada para que sejam tomadas providências mais efetivas. “O casamento infantil parece irrelevante para a sociedade, mas no Brasil há 5,7 milhões de meninas que se casam antes dos 18 anos. Somos os campeões em número de casos na América Latina e o estudo mostra que muitas vezes o casamento é considerado, erroneamente, a salvação para resolver problemas de violência dentro de casa, e para as famílias, uma boca a menos para sustentar”, alerta o procurador Mário Luiz Sarrubbo, que representou a procuradora-geral do Estado, Lia Porto Corona.

O estudo teve como foco meninas e meninos adolescentes, mas o fenômeno é mais acentuado em relação às meninas. Entre as conseqüências do casamento infantil ou precoce para as meninas está o peso do trabalho doméstico e da tarefa do cuidar dos filhos; além da responsabilidade do sustento do lar, para os meninos, uma das causas da evasão escolar. Por afetar mais as meninas do que os meninos, é preciso olhar o tema com um olhar diferenciado na hora de estabelecer normas, afirma Daniela Rocha, da Plan.

Debates

Na sequência da apresentação dos resultados do estudo houve debate com a participação da procuradora Fabíola Sucasas; Viviana Santiago, gerente de Gênero e Incidência Política da Plan Internacional; Berenice Giannella, secretária municipal de Direitos Humanos e Cidadania, da advogada Anna Haddad, da Plataforma Cinese e Comunidade Comum e da vereadora Soninha Francine.

A procuradora Fabíola Sucasas alerta para a importância de aplicar a Lei Maria da Penha nas questões relacionadas com as meninas adolescentes. Para ela, a lei “patina” no pilar da prevenção, da sua aplicabilidade a todas as mulheres, independente de raça, idade e credo. “A responsabilidade não é apenas do Estado, é da sociedade”, observou.

Por sua vez, a secretária municipal de Direitos Humanos e Cidadania, Berenice Giannella, disse que quando ocupava o cargo de secretária nacional dos Direitos de Criança e do Adolescente havia encomendado um estudo com vistas a estabelecer uma Política Nacional sobre o tema. Ela defendeu a retomada do tema em nível nacional e disse que na Cidade de São Paulo foi apresentado um estudo para trabalhar a questão. Localidades como Grajaú, Cidade Tiradentes, Jardim Ângela e Cidade Ademar apresentam altos índices de gravidez na adolescência.

Giannella falou da necessidade de maior capacitação dos conselheiros tutelares para interferir na questão e citou números de evasão escolar – 1,5 milhão de crianças fora da escola, em muitos casos relacionados a problemas de ordem familiar. Ela defende que levantar dados econômicos a respeito também é importante, uma vez que estudos indicam que a ausência de políticas públicas repercute negativamente no desenvolvimento da economia e que as empresas podem ser convidadas a participar de campanhas de redução do casamento infantil.