Pílula EDH – Série Visibilidade é Cidadania (Renata Peron)

 

 

  • Pílula EDH – Série Visibilidade é Cidadania  

    “Vim, vi e venci”

     

    “Ela saiu do trabalho, um salão de beleza nos Jardins, bairro nobre de São Paulo, região da Avenida Paulista, rumo ao centro. O destino era a Avenida Vieira de Carvalho, bem próximo à Praça da República, um dos pontos LGBTs mais movimentados da cidade. O ano era 2007 e ela caminhava ao encontro de um velho amigo pra brindar um fim de semana qualquer, mas o que era pra ser uma noite de alegria se transformou no pior dia de sua vida.

    Antes de chegar ao bar, Renata foi cercada por nove skinheads. Um deles se aproximou e, sem qualquer palavra, iniciou a agressão. O agressor vestia um coturno com uma placa de ferro: o primeiro chute a fez voar alguns metros; o segundo atingiu o seu rim. Por um momento, Renata deixou de ser o alvo das panadas, quando toda a raiva dos espancadores foi direcionada ao seu amigo"

    Poderia ser um roteiro de uma série de televisão, mas não é. Foi assim que a assistente social, cantora, atriz e ativista Renata Peron entrou para as estatísticas de crimes de LGBTfobia praticados no Brasil.

    E tão prejudicial quanto a agressão física sofrida, que a fez perder um dos rins, foi a agressão moral ao tentar recorrer à Justiça: "Quando me recuperei quinze dias depois, fui atrás da parte burocrática. Fiz o boletim de ocorrência pra saber o que poderia ser feito. Não conseguimos prender as pessoas, pois as câmeras não pegaram o rosto dos agressores, não foi possível identificar ninguém. Como ficou por isso mesmo, entrei com uma ação contra o Estado. Ganhei em primeira instância, mas eles recorreram e acabei perdendo. O juiz alegou que, por eu "ser assim" e estar naquele horária na rua, a culpa era minha".

    Renata também foi uma das bolsistas do Programa Operação Trabalho – LGBT e chegou a estagiar em vários órgãos públicos como a Secretaria de Estado da Cultura, na Unidade de Livros e Leitura.

    Espalha EDH - Conte um pouco sua história de vida?

    Renata Peron – Tenho 43 anos e nasci em João Pessoa, capital da Paraíba, em fevereiro de 1977. Moro em São Paulo há 14 anos. Sou assistente social, cantora, atriz e ativista, criadora da Bancada ARTIVISTA. Sou uma mulher trans que conhece as demandas da população LGBTQ+ e que luta pelos direitos humanos, em especial por políticas de inserção de travestis e transexuais na área da saúde, educação, moradia, trabalho e do entretenimento.

    Engajada politicamente, fui presidenta da associação CAIS (Centro de Apoio e Inclusão Social de Travestis e Transexuais), além de estar envolvida em várias lutas, como as quatro primeiras edições da “Caminhada Pela Paz” realizadas na cidade de São Paulo em 2016, 2017, 2018 e 2019 com objetivo de promover visibilidade aos direitos da população trans.

    Ainda na infância, em João Pessoa, enfrentei o preconceito e bullying na escola, onde fui vítima de pedradas. Minha mãe sofria de depressão e cometeu suicídio quando eu tinha sete anos. Na época fui morar na casa de um dos meus 13 irmãos, mas acabei sendo abandonada por ele dias depois.

    Em busca de um recomeço e oportunidades que não emperrassem minha identidade de gênero, mudei-me para São Paulo em 2004. Foi na capital paulista que batalhei para ser vista como um ser humano como os demais e comecei minha luta contra a marginalização das pessoas trans.

    Em 2007, Renata fui brutalmente atacada por nove homens skinheads após sair de um salão de beleza na Praça da República, região central de São Paulo, em mais um crime motivado por transfobia, o que resultou na perda de um dos meus rins. O acontecimento fez com que eu me engajasse ainda mais pelos direitos LGBTQ+, criando assim, em 2015, a CAIS.

    Apesar das arbitragens, sou grata à São Paulo, estado onde tive a oportunidade de me formar em Serviço Social, pela Universidade Nove de Julho no ano de 2016. Além de conquistar um posto de trabalho digno, ainda que raro para a maioria das pessoas trans, como recepcionista da SP Escola de Teatro, depois como Assiste Social no Centro de cidadania Luana Barbosa dos Reis.

    Também foi em São Paulo que me descobri artista e gravei um CD e DVD em homenagem ao cantor Noel Rosa, além de outros três álbuns independentes. Como atriz, além de espetáculos, integrei o elenco da série “Rotas do Ódio”, exibida em março de 2018 e 2020, pelo canal Universal.

    Espalha EDH – Qual foi a importância em participar do POT/LGBT?

    Renata Peron – Num momento muito difícil da minha estadia em São Paulo, foi o programa POT/LGBT – “OPERAÇÃO TRABALHO" – que me salvou das ruas e da prostituição, pois nessa época nós não tínhamos espaços para trabalhar no mercado formal de trabalho como temos hoje, ainda que poucos, portanto o programa chamado hoje de Transcidadania tem importância ímpar para nós do movimento de travestis e transexuais.

    Espalha EDH – Qual a principal contribuição que o programa trouxe para a sua vida?

    Renata Peron – Sem o programa certamente a vida em São Paulo seria muito mais difícil pois você não ter grana pra pagar seu aluguel e comer é difícil sobreviver, então a contribuição do programa POT foi essencial para salvar minha vida das ruas.

    Espalha EDH – Como você avalia o programa?

    Renata Peron – Com o passar dos anos vimos o quanto é essencial programas como o Pop/LGBT, hoje Transcidadania. É importante e essencial para inclusão das pessoas travestis e transexuais, espero que agora com o censo possamos aumentar a quantidade de vagas para alcançarmos mais pessoas e darmos dignidade para elas.