Cozinha Escola Solidária: duplo benefício para a população em situação de rua

Todos os dias, os alunos do projeto, pessoas que estão em situação de rua, participam de uma jornada especial: aprendem as atividades da cozinha ao mesmo tempo em que preparam as refeições que serão entregues a pessoas em situação de rua, em dois pontos diferentes da região central da cidade



Eles vão chegando bem cedo pela manhã, vestem os uniformes de trabalho e iniciam as atividades antes das 6h. Por volta das 11h, as 755 marmitas ficam prontas e embaladas. Elas são distribuídas com mais 1.200 refeições ofertadas pelo Projeto Rede Cozinha Cidadã, da Prefeitura de São Paulo, em dois pontos da região central da cidade: na Praça Marechal Deodoro e na Rua José Bonifácio. O trabalho tem que ser rápido, pois o carregamento das marmitas deve sair no máximo às 11h para ser distribuído às pessoas no horário programado, sem atrasos.

A preparação dos alimentos faz parte da rotina diária da equipe de 12 pessoas do Projeto Cozinha Escola Solidária, composta por dois cozinheiros, cinco auxiliares de cozinha, dois auxiliares de serviços gerais, dois entregadores e um motorista. Nove deles são ou já estiveram em situação de rua e agora têm a oportunidade de aprender um ofício e aumentar as suas chances de voltar para o mercado de trabalho.

A iniciativa é do Movimento Estadual da População em Situação de Rua e da Secretaria Municipal de Direitos Humanos e Cidadania (SMDHC), por meio da sua Coordenação de Políticas para População em Situação de Rua. “Garantir segurança alimentar e nutricional à população em situação de rua e, ao mesmo tempo, oferecer qualificação profissional e geração de renda é fundamental. É o que nos motiva a seguir trabalhando todos os dias na construção de políticas públicas que efetivamente garantam direitos a essa população”, afirma a Coordenadora de Políticas para População em Situação de Rua da SMDHC, Giulia Patitucci.

A escola funciona tal qual uma cozinha industrial, com mais de 21 mil refeições distribuídas até 15/03. A meta é entregar à população em situação de rua ao final dos seis meses do projeto mais de 125 mil refeições.

Entre os participantes do Cozinha Escola Solidária há dois refugiados: um de Senegal e outro de nacionalidade mauritana, que vamos denominar apenas como H, para preservar a sua identidade, e que está há cinco anos no Brasil. H saiu de seu país para fugir dos conflitos frequentes que lá ocorrem. Na Mauritânia, país localizado na África, na região do Deserto do Saara, a escravidão só foi abolida oficialmente em 1981, mas a sua prática foi considerada crime apenas em 2007. Ele procura regularizar sua situação documental e até então se encontrava em situação de rua.

O Projeto Cozinha Escola Solidária funciona na sede do Centro de Pesquisa e Cultura Bibli- Aspa, no Bairro da Santa Cecília. A organização civil de apoio a refugiados cedeu os fundos da propriedade para as instalações da escola, que foi reformado por meio de doações. O espaço que antes era deteriorado agora é amplo e limpo, uma verdadeira cozinha industrial, com equipamentos também doados por instituições da sociedade civil.

Em meio às panelas, fogões e equipamentos da cozinha, duas voluntárias ajudam os participantes e auxiliam na cozinha de dois a três dias na semana. Cleide Maria Dessanti sempre gostou de trabalhar com voluntariado. Ela foi convidada pela amiga Joana Almeida, que soube do Cozinha Escola Solidária por uma reportagem. “A gente ajuda na preparação dos alimentos antes do cozimento”, afirma Joana. “E também colaboramos com a montagem das marmitas para que elas saiam no horário correto”, completa Maria.

João Pedro Tavares Peres é um dos mais jovens da equipe. Além dele, que tem apenas 20 anos, há mais um colega de 18 anos. João Pedro e sua família se encontram em situação de rua, devido aos problemas econômicos ocasionados pela pandemia.

O projeto completou um mês no dia 14 de março. “Aprendi muita coisa que eu não sabia fazer”, conta o participante. “Nesse período, aprendi a mexer nas máquinas que trabalhamos, a fazer comida em grande quantidade e a preparar marmita de acordo com uma determinada quantidade de peso”, completa. Para João Pedro, o projeto é uma oportunidade para conseguir um emprego em uma cozinha industrial maior.

Mas o Projeto Cozinha Escola Solidária não se resume à preparação das refeições, já que no período da tarde são desenvolvidas outras atividades. Já foram promovidas duas oficinas com chefes de cozinha e estão programadas mais quatro oficinas com Pedro Barbosa, que se destacou em um famoso programa de mestres culinários de TV.

A programação segue com outras quatro oficinas patrocinadas pela Panificadora Bauducco e um projeto para promoção de oito a dez cursos com o Sebrae (Serviço Brasileiro de Promoção da Micro e Pequenas Empresas), três deles online. Entre os quais, estão: Boas Práticas Alimentares, Perigos e Danos da Cozinha, Hamburguer artesanal, Salgados, Bolos e Cupcakes.

Os participantes também terão um curso de jardinagem, fruto de parceria com o Senai (Serviço Nacional da Indústria) e Senac (Serviço Nacional do Comércio), que embora diretamente não esteja relacionado com gastronomia, vai agregar conhecimento aos participantes.

Todos os dias à tarde, eles terão aulas, afirma a gerente da escola, Daiane Meurer. “Nos sábados haverá aulas de português, e ao final de todos os cursos os participantes receberão certificados. Serão seis meses repletos de experiências úteis”, diz. “Com os cursos e a experiência adquiridas aumentam as chances de uma colocação no mercado de trabalho após o término do projeto”, completa.

Os organizadores do Projeto Cozinha Escola Solidária também se comprometem a ajudar por meio de contatos com empresas que podem absorver a mão de obra que estará sendo formada.