Café solidário esquenta o coração de profissionais no Hospital de Campanha do Pacaembu

Viviane Pereira encontrou na doação de cafés uma maneira de retribuir quem trabalha no combate ao novo coronavírus

Foto de Viviane Pereira entregando café a duas pessoas. Todos na foto usam máscaras no rosto.

Há pouco mais de dois meses, o Estádio Municipal Paulo Machado de Carvalho, o Pacaembu, pedia licença ao futebol e instalava em seu gramado o primeiro hospital de campanha de São Paulo. Palco de memoráveis histórias no mundo dos esportes, completou 80 anos em 2020 com a missão de servir a comunidade de um jeito diferente, como uma grande arena onde vidas são recuperadas.

O estádio possui capacidade para quase 38 mil espectadores, mas agora, em um momento delicado, em vez de torcedores, passou a receber pacientes com o novo coronavírus. Agora, as heroínas e heróis do Pacaembu não vestem as cores de camisas de times de futebol. O uniforme é branco e o momento mais esperado não é o do gol, mas o de dizer: “Dona Maria, Seu João, vocês estão recuperados, podem ir pra casa”. Inaugurado no dia 6 de abril, o serviço de saúde atende a população com 200 leitos e 520 profissionais da saúde, além de outros colaboradores.

Foto que mostra detalhes do equipamento utilizado para fazer servir o café. O carrinho usado tem uma estrutura com a pintura de um céu sobre um parque arborizado e um ciclista no centro. À frente do carrinho, há uma lousa com o texto: "Essa é uma ação voluntária de várias pessoas e pequenos negócios".

A rotina de trabalho na linha de frente do combate à Covid-19 é intensa e desgastante pela pressão psicológica de estar a todo momento lidando com vidas, além da grande quantidade de equipamentos de proteção individual (EPI’s) espalhadas pelo corpo. Um dos poucos momentos de fuga da tensão é horário de refeição desses trabalhadores. Aqueles que almoçam no Hospital Municipal de Campanha do Pacaembu nas terças e quintas-feiras, das 12h às 14h30, sabem que podem contar com uma ilustre e grata companhia: um café quentinho oferecido com um grande sorriso nos olhos, já que a boca está coberta pela máscara.

Quem serve o amor em copinhos é Viviane Pereira, psicóloga e barista de 38 anos. Ela idealizou o projeto Musette Solidário, que consiste na distribuição de bebidas à base de café (espresso, macchiato e cappuccino) a profissionais de saúde, segurança e facilities que atuam no estádio-hospital. “Entendendo que esses profissionais são cruciais para o combate à pandemia, que estão passando por horas exaustivas de trabalho. Pela carga de responsabilidade e estresse que o momento pede, sabendo que a parada para o cafezinho no pós-almoço pode ser o respiro para encarar a segunda parte do dia, resolvi oferecer gratuitamente esse conforto”, disse.

 Foto que mostra a Viviane Pereira no equipamento utilizado para servir café, estendendo a mão com um copo em direção à câmera. Ela usa uma máscara no rosto.

Com experiência na área de responsabilidade social há mais de dez anos e especialista em cafés há quatro, Vivi, como também é conhecida, juntou o prazer em ajudar e o interesse pelos grãos, resgatou a vivência em ações coletivas, apresentou a ideia a possíveis interessados, angariou recursos e colocou a iniciativa de pé. “O que me motiva é ter desafios e construir projetos e negócios que possam impactar positivamente a vida das pessoas, ou seja, trabalhar com propósito sempre. Além disso, na minha vida particular, o esporte sempre esteve presente. Em especial, os que favorecem o contato com a natureza e que tragam liberdade”, afirmou. Ela explicou que contou com a doação de quatro pessoas para montar a estrutura e fazer cafés de forma móvel, além do apoio com insumos e maquinário de quatro empresas, a Frescca, a Kento Café, a Suplicy Cafés e a Espresso Art.

A soma das paixões transformou-se no Musette Café, uma cafeteria que trazia a cultura do ciclismo como essência. Após três anos de operação num estabelecimento fixo, Viviane botou o pé na estrada, ou melhor, botou o café na estrada e deu início ao Musette na Estrada, servindo cafés em eventos e espaços de treinamento de ciclismo. Desde o início de maio, ela doa algumas horas de sua semana, estaciona o café itinerante na parte interna do estádio e faz a alegria de quem passa por lá. “Neste período tenho atendido em média 120 pessoas por dia”, contou. Por elas, Vivi teria vaga preferencial e vitalícia no local.

 Foto que mostra a Viviane Pereira preparando o café para três pessoas que aguardam em frente ao carrinho.

“O trabalho no Pacaembu é intenso, cheio de desafios e de histórias que nos fazem repensar valores”, declarou a médica Denise Lellis, de 44 anos. Ela informou que houve várias demonstrações emocionantes voltadas aos pacientes. Mas um ato em específico a sensibilizou de maneira diferente. “Sentir o carinho das ações voltadas à equipe foi a melhor parte de tudo isso. Tomar o cafézinho da Musette foi como sentir um abraço de ‘está tudo bem, vai passar’. Foi como sentir o mesmo consolo que a gente oferece o tempo todo”. Lellis completou dizendo que nunca se esquecerá do sabor e do valor daquele café.

Segundo Vivi, o período de pandemia tem trazido sentimentos de ansiedade e medo, mas a preocupação com o coletivo a fez descobrir formas de praticar a solidariedade. “Às vezes, penso que ajudar o outro nada mais é que ajudar a si mesmo. Foi isso que me motivou a escrever o projeto do Musette Solidário”, falou.

Quem agradece - e muito - essa motivação toda são os diversos profissionais que já tiveram a oportunidade de tomar um café no Musette. A auxiliar de enfermagem Mariana Pereira, 22, achou a iniciativa maravilhosa: “De alguma forma, trouxe um carinho e motivação. Saber que existem pessoas que se importam dessa forma faz toda a diferença”. Já Bruno Gion, profissional de educação física, 28, considerou que atitudes como essa são fundamentais em tempos que tanto se fala sobre saúde mental: “Uma das formas para não adoecer é ter momento positivos ao longo do dia, como um bom café. Essa carga de carinho nos ajuda ainda mais a cuidar dos nossos paciente”.

Foto que mostra a Viviane Pereira preparando o café para pessoas que aguardam em frente ao carrinho. 

Ao longo de todo esse tempo no hospital, Viviane já se sente parte da família. “Há mais de um mês servindo cafés no Hospital de Campanha do Pacaembu, por reconhecer e lembrar o gosto de cada pessoa, já consigo antecipar boa parte dos pedidos de cada um que vejo através das máscaras”, garantiu.

Vivi ficará com o Musette Solidário no hospital até o final de junho, isso por conta do planejamento de verba e insumos, que foi preparado para atender todo esse período, ou seja, serão quase dois meses de ação. Se pudesse, ficaria até o fim. “O café me trouxe pessoas. Café é estreitar laços, mesmo em um momento de distanciamento que estamos vivendo”.


Texto: Gustavo Henrique - gmorais@prefeitura.sp.gov.br
Fotos: Fabiana Marson