Conselheira do CMH, líder sem-teto vira personagem de filme pela segunda vez

Por Luiz Rocha Pombo


Ivanete durante manifestação: história de vida vira filme pela 2ª vez

Ivaneti de Araújo, 37, natural de Guariba, interior de São Paulo, uma das líderes dos movimentos populares por moradia, está se tornando cada vez mais conhecida no meio cinematográfico. É a segunda vez que sua história de luta será representada por meio de um filme. Na primeira vez, foi realizado “Dia de Festa” (2006). O nome vem da expressão utilizada por integrantes de movimentos sem-teto para designar o dia em que uma área ou imóvel será ocupado, e foi produzido por Toni Venturi. O enredo é sobre a história de quatro moradores que saíram das ruas e passaram a liderar movimentos de ocupação de moradias, com Ivaneti sendo uma das personagens.

Agora, um novo filme está sendo realizado. Desta vez, porém, há um diferencial, já que Ivaneti faz parte do elenco, atuando. “Estamos Junto” ou “Antes da Noite”, possíveis nomes do filme que a representará, também será produzido por Venturi, está com as filmagens em andamento e com estréia prevista para julho. Trata da história de uma médica (Leandra Leal) que descobre estar com uma doença grave e entra em depressão. Aconselhada a participar de ações voluntárias, conhece a personagem inspirada em Ivaneti, que se chamará Leonora (Dira Paes), uma líder de movimentos de luta por moradia, que a estimula a participar de uma ocupação. Cauã Reymond e Sidney Santiago também fazem parte do elenco. Todo esse destaque dado à história de Ivaneti é resultado da coordenação de mais de 50 ocupações, dentre elas aquela que já foi considerada a maior ocupação vertical da América Latina, do edifício Prestes Maia.

Separada, mãe de quatro filhos, sendo um deles adotivo, “Neti” como é conhecida, possui uma história de vida que acabou levando a participação nos movimentos populares. Ex-bóia-fria que trabalhava na colheita de grãos, mudou-se para Ribeirão Preto em 1995, onde conseguiu um emprego de doméstica. Meses depois, a empresa em que seu ex-marido trabalhava faliu. Tiveram que vir para São Paulo com os filhos, e passaram a morar de favor no porão de um conhecido, fato que agravou os problemas respiratórios de sua filha. Sem dinheiro para comida, e com a menina cada vez pior, tiveram que se mudar. Por absoluta falta de opções, foram para debaixo do Viaduto do Glicério. “Lá recebíamos visitas dos representantes dos movimentos de moradia, incentivando nossa participação na causa”, explica Ivaneti. “Meu marido ia às reuniões, mas eu não dava crédito. Até que no dia 5 de outubro de 1997 ele me disse: hoje vamos ter onde morar. Peguei meus filhos e fomos para o antigo hospital Matarazzo, minha primeira ocupação.”

Integrante do movimento Fórum dos Cortiços da Cidade, Neti foi se destacando pela liderança natural que exerce. Começou como secretária, cadastrando as pessoas. Passou a participar de plenárias, elaborou atas, conquistou o respeito dos membros e tornou-se 3ª coordenadora. Após o desmembramento do grupo, que deu origem ao atual Movimento Sem-Teto do Centro (MSTC), foi eleita 2ª coordenadora. Hoje é a Coordenadora Geral do MSTC, cargo que ela já possuía quando da grande ocupação do Prestes Maia.

“O Prestes foi algo singular. Tínhamos no movimento famílias que haviam acabado de ser despejadas, advindas de cortiços, favelas e ruas, um enorme arranha-céu de 22 andares vazio, desocupado há 17 anos e com uma dívida de mais de 4 milhões em IPTU, ou seja, condições perfeitas para a invasão”, explica. Encravado no meio da Luz, vizinho à estação de trem, o prédio era utilizado por dependentes químicos e traficantes. Os dois blocos (um de 9 e outro de 22 andares) receberam uma das maiores ocupações verticais da América Latina, com 468 famílias, compostas por aproximadamente 1.630 pessoas, sendo 315 crianças. Foi realizado um trabalho coletivo de limpeza, com a retirada de mais de 200 caminhões de lixo do local, que pertencia a uma falida fábrica têxtil. Além disso, criaram uma biblioteca, com doações de livros recebidos e uma escola para alfabetização. A ocupação ocorrida em 3 de novembro de 2002 foi seguida por mais de 30 ameaças de reintegração de posse, finalmente realizada em 15 de junho de 2007, cinco anos depois, quando o imóvel foi desocupado e lacrado com blocos de concreto.

Ivaneti também organizou diversas outras ocupações em inúmeras regiões da cidade, como no Batalhão da Rota na Baixada do Glicério, em unidades da Companhia de Desenvolvimento Habitacional e Urbano do Estado de São Paulo (CDHU) em diversas regiões da cidade, e uma em especial que Neti faz questão de ressaltar, “Quando ocupamos a CDHU do Canindé achei que não ficaríamos mais do que 2 horas por causa da tropa de choque que havia no lugar. Ficamos dois dias. Foi uma conquista. As primeiras 48 horas são as mais preocupantes, a polícia pode invadir a qualquer hora. A partir do terceiro dia só entram com ordem judicial”, explica.

Neti reconhece boas iniciativas da Prefeitura, como o recém-lançado Programa Renova Centro, que irá requalificar 53 prédios da região central da cidade. “A desapropriação de prédios tem seu lado bom. Os apartamentos não ficam sem função social, mas são dados a humanos, ao invés de animais” diz.

Eleita por duas vezes conselheira do Conselho Municipal da Habitação (CMH), nos biênios 2003-2005 e 2007-2009, ela comenta a importância do órgão. “O CMH tem caráter democrático, permite a participação popular e tornou-se uma grande porta para discutirmos as políticas de habitação com vistas à melhoria da sociedade. Grandes propostas votadas deram certo como o Programa Parceria Social e a votação para a desapropriação dos prédios do Centro.”