Professor da Universidade do Texas, Fernando Lara elogia modelo de urbanização de favelas da Sehab

Por Débora Yuri

Dividir a cidade em sub-bacias e convidar arquitetos renomados para fazerem projetos de urbanização de favelas. Esses são os dois pontos fortes do modelo adotado para atender a população mais carente de São Paulo, desenvolvido pela Secretaria Municipal de Habitação (Sehab). Quem afirma isso é professor da Escola de Arquitetura de Austin, na Universidade do Texas (EUA), Fernando Luiz Lara. Arquiteto mineiro, ele também dirige na instituição o grupo LAMA(Latin American Modern Architecture) de pesquisa. Confira a entrevista concedida ao Habitação em Pauta:

Em relação aos programas de habitação social e urbanização de favelas, como o mundo vê o Brasil hoje?

Nos EUA e na Europa, todo mundo quer entender o Brasil. Porque o Brasil é a grande novidade do cenário, mudou de patamar. Nos últimos dez anos, registrou um crescimento econômico significativo. E São Paulo é a porta de entrada para o país.

Hoje, há no país a consciência de que existem aqui desigualdades históricas, que precisam ser trabalhadas. A urbanização de favelas é uma parte muito visível desse novo momento brasileiro, uma vez que entre 20% e25% da população do país vive em situação precária. Antes, nem sempre tínhamos dinheiro e vontade política de investir nisso. No século 21, pela primeira vez, temos as duas coisas.

Quais os modelos de urbanização de favelas fortes no país?

Aqui, temos três modelos. O pioneiro é o Programa Favela-Bairro, do Rio de Janeiro, que começou em 1994, como um amplo concurso de ideias – era o governo assumindo que não tinha referências de como intervir nas áreas informais da cidade. O programa decaiu no final dos anos 1990 e voltou com força em 2005, com recursos do PAC [Programa de Aceleração do Crescimento], do Governo Federal.

O segundo modelo é o do PT, do orçamento participativo, em que a população debate e decide as prioridades de investimentos da sua cidade. O orçamento participativo começou em Porto Alegre [RS], em 1989, e se expandiu para Belo Horizonte [MG], em 1993. No início, financiava obras pequenas, porque o dinheiro das prefeituras era pouco. Por volta de 2005, isso mudou, com o PAC, e o orçamento para urbanização de favelas nas cidades quadruplicou.

O terceiro é o modelo da Secretaria Municipal de Habitação [Sehab] de São Paulo. A Prefeitura de São Paulo tem uma escala de intervenções em favelas enorme. Só rivaliza em orçamento com o Rio, que recebe altos investimentos e virou um imenso canteiro de obras por causa da Olimpíada de 2016.

Em algum momento, os três terão de convergir, para além das questões político-partidárias. Terá de ser criado um modelo que junte o melhor dos três.

Quais os pontos fortes do modelo da Secretaria de Habitação da Prefeitura de São Paulo?

O modelo da Sehab tem dois grandes pontos fortes. Primeiro, usar as microbacias como definidor das divisões de áreas [a Sehab traçou 278 Perímetros de Ação Integrada –PAIs – e usou quatro indicadores para eleger as sub-bacias prioritárias: áreas de risco, existência de infraestrutura, vulnerabilidade social e índices de saúde]. Assim, cada assentamento ganhou uma posição no ranking de precariedade. É uma vanguarda conceitual, uma forma nova de pensar o problema. E faz todo o sentido, porque os maiores problemas da informalidade são esgoto e enchente. É importante usar essa divisão como base do projeto, pois assim você atuará melhor.

O segundo ponto forte é que a Sehab está conseguindo trazer os melhores arquitetos do Brasil para tratar do problema. A habitação social nunca foi assim aqui. Você ter os arquitetos mais criativos e badalados do país projetando para a população pobre é novidade no Brasil.

Isso causa dois grandes impactos positivos: chama a atenção dos grandes arquitetos e cria um fator educacional e uma demanda de qualidade. O povo vai começar a pensar: “Eu não vou mais engolir aquela porcaria que aquela construtora está fazendo”. O empreendimento não precisa custar mais caro, só precisa ser mais bem pensado.

Existe algum consenso entre esses três modelos?

Um consenso do Brasil é tentar não tirar a pessoa de onde ela vive, e sim levar a estrutura até ela. Todos os modelos buscam a integração entre a cidade formal e informal. A política de deslocar pessoas não funciona. O maior exemplo é Cidade de Deus, no Rio: um conjunto habitacional mal pensado, a 20 quilômetros do Centro, sem ônibus, sem emprego. E aí o lugar foi de mal a pior, virou uma favela imensa, dominada pelo tráfico.

O que ainda precisa ser melhorado?

A família com pai, mãe e dois filhos está em extinção, mas as construtoras ainda estão amarradas à ideia de que família é pai, mãe e dois filhos. Só que há um crescimento enorme de gente morando sozinha, e o padrão da classe baixa hoje é mãe, avó e dois filhos. E continuam construindo apenas apartamentos com dois quartos. O modelo de moradia popular precisa evoluir, ter mais flexibilidade, porque esses apartamentos de dois quartos não atendem às novas variações familiares. Essa é uma forma de fazer habitação muito antiga, que precisa ser atualizada.

Uma ideia é fazer casinhas geminadas, com quintal, saída direta para a rua. Barcelona é assim, os bairros mais residenciais de Paris também são, Berlim é assim. Estamos amarrados a uma única tipologia de edifícios, e as pessoas têm preconceito contra outras tipologias. As casas geminadas alcançam as mesmas densidades, se você trabalhar com três ou quatro pavimentos.