Doação de órgãos: conheça a experiência de dois hospitais municipais

Instituições da zona sul e norte da capital são referência em notificação de potenciais doadores e também na captação de órgãos

Em 2022, o Hospital Municipal Dr. Fernando Mauro Pires da Rocha, localizado no bairro do Campo Limpo, na zona sul da capital, foi uma das instituições que mais realizou notificações de potenciais doadores de órgãos no estado de São Paulo, atrás apenas no Hospital das Clínicas da Universidade de São Paulo (HC/USP).

Ao longo do ano, foram 73 casos notificados, dos quais 35 tiveram a doação autorizada após o falecimento do paciente, o que se se converteu no transplante de 78 órgãos: três corações, seis pulmões, cinco pâncreas, 18 fígados e 46 rins, que beneficiaram ou mesmo salvaram a vida de dezenas de pessoas. Além disso, 100 córneas foram captadas e doadas, como resultado de uma parceria com o Banco de Olhos de Sorocaba.

“Este resultado reflete não só o perfil do hospital, que é referência em neurocirurgia na rede pública municipal, mas também algumas ações como a adoção do protocolo de manutenção do potencial doador, que consiste em uma lista de pontos a serem observados ou corrigidos de forma a evitar que o paciente com morte cerebral sofra uma parada cardiorrespiratória, por exemplo, que impediria a doação de vários órgãos, além do trabalho de sensibilização feito junto às famílias”, comenta o enfermeiro Lucas Alves de Andrade.

Lucas é presidente da Comissão Intra-Hospitalar de Doação de Órgãos e Tecidos para Transplante (CIHDOTT) da instituição. A comissão, cujas funções foram estabelecidas pela portaria nº 2.600, de 2009, é formada por 15 profissionais – médico, enfermeiros, assistente social, psicólogo e fisioterapeuta, e responsável, dentro do hospital, por todas as rotinas e protocolos que possibilitam o processo de doação de órgãos e tecidos para transplante. Fora da instituição, sua interlocução é com o Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP, que atua como uma das Organizações de Procura de Órgãos e Tecidos (OPOs) no estado.

Do ponto de vista operacional, a OPO é notificada sempre que o hospital tem um paciente com morte cerebral registrada na UTI ou na Sala de Emergência e também valida sua elegibilidade para a doação de órgãos e tecidos, além de conduzir a entrevista com os familiares. Normalmente os pacientes com morte cerebral elegíveis para a doação são vítimas de trauma ou acidente vascular cerebral (AVC).

Já os fatores de exclusão são vários, desde idade até a existência de morbidades como câncer e doenças infectocontagiosas. No caso da parada cardiorrespiratória, ela inviabiliza a doação de órgãos como coração, pulmões, fígado, pâncreas e rins, que ficam sem a necessária irrigação, porém ainda possibilita a doação de córneas, vasos, pele, ossos e tendões.

Recusa familiar impede quase 50% das potenciais doações

As condições listadas acima são responsáveis por uma parte das exclusões dos potenciais doadores. As demais, quase 50% das doações que não se concretizam, decorrem da recusa da família, a quem cabe autorizar ou não a doação de órgãos e tecidos para transplante no Brasil. Por isso, a CIHDOTT do Hospital Municipal Dr. Fernando Mauro Pires da Rocha toma cuidados especiais para abordar o assunto da doação com os familiares.

“É comum que eles estejam abalados com a perda repentina de um ente querido, então nunca misturamos a comunicação da morte cerebral, que é sempre feita pelo médico, com a entrevista para conversar com a família sobre a possibilidade de doação; é importante saber esperar, dar tempo para que a decisão seja tomada”, diz Lucas, recordando o caso de uma mulher de 46 anos que teve morte cerebral e cujos filhos moravam em Brasília. “Seguimos o protocolo de manutenção do potencial doador enquanto esperávamos os filhos virem para São Paulo, e somente então tivemos a entrevista, que resultou em fígado, rins e córneas doados e transplantados”, relata o enfermeiro, reiterando que todo o atendimento recebido na unidade, desde que o paciente chega até o acolhimento à família, fazem a diferença no processo.

Psicóloga destaca o acolhimento às famílias

A psicóloga Livia Kondrat Pinto Kanashiro integra, há nove anos, a equipe responsável pelo atendimento psicológico na Sala de Emergência e na Unidade de Terapia Intensiva do Hospital Municipal Dr. Fernando Mauro Pires da Rocha. Segundo ela, cinco premissas são fundamentais no trabalho com os familiares de pessoas que evoluem para um quadro de morte encefálica: 1) acolher, sempre; 2) fornecer respostas de forma clara e quantas vezes forem necessárias; 3) permitir que a família esteja junto do seu ente querido; 4) garantir que a entrevista sobre a possibilidade da doação de órgãos seja feita por pessoas sensíveis e treinadas, e no momento certo e 5) respeitar o desejo da família, seja qual for.

“Se todas as etapas junto aos familiares forem conduzidas com sensibilidade e cuidado, aumentam as chances de eles concordem com a doação; por outro lado, para uma parte das famílias essa não é a resposta, e precisamos respeitar.” Ela conta, no entanto, que ao decidir pela doação de órgãos, muitos familiares conseguem passar de forma menos dolorosa pelo processo de luto, na medida em que conseguem ver nobreza e propósito no gesto de ajudar a salvar a vida de várias pessoas, além de diminuir o sofrimento de seus familiares.

Equipe do Programa Melhor em Casa realiza captação de córneas

Deixar um legado foi o sentido que L.F., de 79 anos, encontrou ao decidir doar suas córneas em 2017, antes de falecer de um câncer no pâncreas. Como paciente atendido pelo programa Melhor em Casa, que promove suporte e cuidados no domicílio, ele teve seu desejo atendido pela equipe ligada ao Hospital Municipal Vereador José Storopolli, na zona norte da capital.

A iniciativa de captar córneas por meio do Melhor em Casa foi implantada em 2017, e é pioneira no país. “A partir do momento em que é atendido pelo Melhor em Casa, o domicílio no qual o paciente está também é considerado um ambiente de saúde, e, portanto, se configura em território de captação”, explica a médica Paula Rossi, que coordena as áreas clínicas, a equipe multiprofissional de atenção domiciliar (Emad) do Melhor em Casa e também é presidente da CIHDOTT do hospital, localizado no bairro de Vila Maria.

Paula conta que, no caso deste paciente pioneiro, sua decisão, tomada em vida, foi respeitada pela família após o falecimento. “Tivemos uma conversa, e ele decidiu que realizar a doação e ajudar outras pessoas seria seu último ato, e a família honrou essa decisão”, diz Paula, lembrando que o projeto envolvendo o Melhor em Casa foi premiado durante o Congresso Interdisciplinar de Atenção Domiciliar (Ciad) de 2018.

Dentro do Hospital Municipal Vereador José Storopolli, outras medidas foram tomadas para melhorar o sistema de captação, como treinamento e sensibilização dos funcionários para o tema, a adoção do protocolo de morte encefálica para todos os pacientes com potencial de doação de órgãos (primeiro passo necessário para viabilizar a captação), além de um trabalho contínuo junto aos pacientes da UTI para ressignificar o luto.

 

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