Ciclovias criam um novo modal para a mobilidade urbana em São Paulo

Adotadas por uma parte da população que quer uma cidade mais amigável e ambientalmente mais harmônica, as ciclovias aos poucos se consolidam como uma nova opção de deslocamentos para curtos trajetos. Ciclistas, muito sensíveis aos problemas de segurança, se mobilizam para participar das decisões nos âmbitos do Executivo e do Judiciário

Em abril de 2013, a versão on-line da revista Exame exibiu matéria com o título: “Já se vende mais bicicletas que carros na Europa”. Mesmo para nós, latinos, que sempre tivemos no imaginário uma Europa mais arejada, aberta às mudanças, a notícia não deixa de trazer certa surpresa. O texto destacava a adesão dos berlinenses ao uso da bike, cujo comércio, em 2012, chegara à marca de 3,96 milhões. No final da matéria, uma tabela comparava as vendas das bicicletas com as dos carros, em 25 países, com enorme vantagem para as magrelas, mesmo em países como Reino Unido e França, onde os carros têm forte valor simbólico. São sinais dos novos tempos. Nas megalópoles, o caos diário com trânsito pesado, stress e poluição está perdendo espaço na luta entre saúde e bem-estar X conforto e status.

Mas, o melhor vem a seguir. Desatentos com nossas próprias mudanças, não focamos nossa atenção em um fato até mais inusitado: no Brasil, acontece a mesma inversão. Surpresa? A Associação Brasileira dos Fabricantes de Motocicletas, Ciclomotores, Bicicletas, Motonetas e Similares – Abraciclo - aponta que desde 2011 foram comercializadas 4,6 milhões de bicicletas no país, contra 3,4 milhões de carros vendidos! Em matéria de trânsito, São Paulo não poderia perder a dianteira; agora, assume novamente a posição de vanguarda ao fazer a curva para nova direção. 

Uma nova política de mobilidade urbana: da teoria para a prática nas ciclovias

Para por em prática uma das 113 iniciativas que formam seu Plano de Metas, a Prefeitura de São Paulo planejou e está implantando sua política de mobilidade urbana. Ousado, o plano incorpora o uso urbano das bicicletas como forma de reduzir as horas perdidas, os quilômetros de engarrafamentos, aliviar os rodízios, os prejuízos para a economia e saúde, temas exaustivamente explorados nos noticiários. No centro desta política, a vontade de dar à cidade um ar mais leve, de valorizar um novo modal e, especialmente, promover a interface das bicicletas com outras formas de mobilidade. Um exemplo dessa prática intermodal é o novo bicicletário construído no Largo da Batata, em Pinheiros. Erguido no âmbito da Operação Urbana Faria Lima, o bicicletário acolhe as bikes para que seus donos peguem o ônibus ou metrô. Um exemplo de integração de modais a ser seguido em vários outros projetos.

Por trás das obras, técnicos expressam sua vontade de combater a eterna supremacia dos carros, com base em estudos e em medidas para humanizar mais a vida na metrópole. Além dos 63 km de ciclovias recebidos da gestão Gilberto Kassab, a Prefeitura de São Paulo já construiu 205 km de vias cicláveis. A meta é chegar ao final de 2015 com nada menos que 400 km de ciclovias. Serão quase 500 km de ciclovias. Mais da metade já foi realizado. Nesse empenho estão reunidas a Secretaria de Infraestrutura Urbana e Obras – Siurb, a São Paulo Obras - SPObras, a CET, a Secretaria do Verde e do Meio Ambiente – SVMA e a SPTrans. A empreitada é um importante aprendizado párea governo e sociedade.
Não à toa, as obras das ciclovias e dos corredores exclusivos para o transporte coletivo têm suscitado debates sérios entre técnicos, associações e usuários das bikes. O tema, polêmico pela força da mudança de hábitos e pela grandeza das intervenções urbanas, tomou conta dos jornais, rádios e canais de TV. À paixão pelos carros, uma das características dos paulistanos, soma-se agora a paixão pelas bicicletas. Essa porção mais despojada e esportiva da sociedade não dá sinais de recuo, hoje são muitos os blogs e associações onde cicloativistas se reúnem como fórum para discussões e programações de manifestações.

A Prefeitura está aberta para ouvir os cicloativistas

A Prefeitura de São Paulo entende que essa política deve ser conduzida em harmonia com os usuários do novo sistema. Dessa forma, tem acatado todas as decisões que vêm do Ministério Público, tem ouvido cidadãos e representantes de associações, suas críticas e propostas. Ou seja: não há uma posição fechada, o caminho é novo, pode ser aperfeiçoado. No entanto, a prefeitura não vai abrir mão de criar as condições para um novo modal de mobilidade para os paulistanos, que tenha espaço e regras de segurança. As bicicletas, como nos exemplos da Europa, são hoje uma forma de mobilidade fortalecida por trazer benefícios para a saúde e meio ambiente. Em último caso, trata-se de uma postura crítica da população mundial em relação aos malefícios e distorções causadas pelo uso excessivo dos carros. O ciclista tornou-se uma figura urbana. Com isso, ganham a cidade e o cidadão.

Em SPOBras, a prefeitura tem em curso as construções dos corredores Inajar de Souza (zona norte), Radial Leste 1 (zona leste), Luiz Carlos Berrini (zona sul), Leste Itaquera (leste), M’Boi Mirim e Binário Santo Amaro (ambos na zona sul). Até o momento, já foram pavimentados exatos 40 km de vias exclusivas. Com recursos de PAC2 e da PMSP, os corredores têm orçamento estimado na casa dos bilhões. Depois de um duro aprendizado de aceitação por parte de alguns setores da população, consolidaram-se por meio de uma crescente adesão. Além de organizar o trânsito, o corredor exclusivo tem boa velocidade e traz rapidez para os deslocamentos, com ganhos por tempo de viagem.

Corredores de ônibus com ciclovias no canteiro central

Todas as ciclovias construídas por SPObras estarão localizadas nos canteiros centrais dos corredores de ônibus. São os casos das ciclovias dos corredores Berrini e Inajar de Souza. Com projetos paisagísticos, pistas seguras, que não disputam espaço com outros veículos, esses corredores colocam a vida urbana em São Paulo compatível com as melhores capitais europeias. Além das ciclovias, os corredores oferecem plena acessibilidade para pessoas com deficiência, plataforma espaçosa com abrigos confortáveis. Alguns deles, planejados para receber o pagamento da tarifa antes do embarque, terão acomodação mais rápida e confortável.

Obras complexas, os corredores envolvem ações de desapropriações, mudanças de viários, readequações geométricas dos espaços etc. São construídos com pavimento de ferro e concreto sobre várias camadas de materiais, para suportar o peso dos ônibus biarticulados. Além dos novos corredores, SPObras tem em construção a ponte Laguna, que será mais uma alternativa entre as pontes Morumbi e João Dias, na zona sul. A ponte Laguna será dotada de uma bela ciclovia. Da mesma forma, a ponte Raimundo Magalhães, que ligará Lapa e Pirituba também terá ciclovia.

No início da gestão Haddad, uma iniciativa da prefeitura que deu força ao espaço para o ciclismo foi a criação das ciclofaixas de lazer, aos domingos. Ao lado desse longo aprendizado, cabe também à população obedecer as regras e reduzir os acidentes. A decisão liminar do MP contra as ciclovias só não paralisou a ciclovia da av. Paulista. Em compensação, associações de ciclistas entraram com petição no órgão para ter mais participação nas decisões. A população está madura e ativa. Até que melhore a segurança e o respeito sabe que este é um longo caminho, de duas rodas, sem volta.


Graccho Braz Peixoto
27/03/2015