Fórum de M’Boi Mirim aborda questões ligadas à Saúde Mental

Maria Lúcia Gassert, assessora da área técnica de Saúde Mental da Supervisão Técnica de Saúde de M’Boi Mirim responde perguntas ligadas ao tema

Por Mayara Carlis

A Supervisão Técnica de Saúde de M’Boi Mirim promoveu no último dia 24 de junho, o terceiro encontro do seu Fórum de Saúde Mental. O evento foi realizado no Hospital Nossa Senhora do Caminho, localizado na Estrada do Riviera e reuniu cerca de 30 profissionais da área da saúde para discutir medidas de intervenção via Rede de Atenção Psicossocial (RAPS) para os casos que estão em atendimento pelas equipes de saúde mental da região.

Durante o encontro, casos de alta complexidade foram discutidos, o que fez o debate abordar assuntos como a reforma psiquiátrica, internação, hospital psiquiátrico, entre outros.

Conversamos com Maria Lúcia Gassert, da assessoria técnica da área de Saúde Mental da Supervisão Técnica de Saúde de M´Boi Mirim para entender melhor alguns assuntos ligados ao tema.

Leia a seguir a entrevista com Maria Lúcia Gassert:

O que é um hospital psiquiátrico (HP)?

Maria Lúcia Gassert: Hospital psiquiátrico é uma instituição de internação de pacientes com transtornos mentais agudos, ou seja, em crises que implicam risco severo à vida do paciente ou de outros, por auto ou hetero agressividade em que é necessário o monitoramento do paciente por 24 horas.

Hoje há um maior controle desses hospitais, pelas políticas públicas, pois eles são os remanescentes dos antigos manicômios que internavam pessoas sem diagnóstico clínico como homossexuais, jovens grávidas, entre outros, e a maioria perdia vínculos sociais permanecendo nestes locais até morrer.

No município de São Paulo, a reforma psiquiátrica (movimento que iniciou na Itália, na década de 60/70, com Franco Basaglia, psiquiatra que promoveu a mudança no sistema de saúde mental italiano) começou a ser implantada na década de 90, com a abertura de unidades psiquiátricas dentro dos hospitais gerais, e a proposta de se fecharem os manicômios (o que já ocorreu em 90 em vários municípios), para se criar uma rede territorial de assistência, formada por CAPS, Residências Terapêuticas, CECCO, Atenção Básica e as Unidades Psiquiátricas dos hospitais gerais.

O objetivo da rede é manter a pessoa em crise próxima à sua família e comunidade, numa política de saúde mental inclusiva e socialmente reabilitadora. Nas duas gestões seguintes, a rede implantada, até então, foi desmontada para implantação do PAS. Nas gestões posteriores, com os contratos de parceria, houve uma tímida retomada da reforma que, no governo atual, tem sido retomada.

Qual a relação entre os CAPS e esses hospitais? E como se dá essa troca de pacientes?

Os CAPS (Centro de Atenção Psicossocial) são as unidades territoriais primordiais para atenção à crise, segundo a nova política de saúde mental. Atualmente, por um protocolo, que está sendo pactuado, eles devem receber informação de todos os pacientes internados em hospital psiquiátrico para monitoramento dos casos e acolhimento dos mesmos imediatamente no pós-alta, e continuar o tratamento e/ou redirecionar para a Atenção Básica. Hoje é preconizada a internação de 30 dias com renovação por mais 30 ou 60 dias, sendo que esta renovação deve se dar mediante discussão entre equipes do CAPS e HP.

Qual a rotina de funcionamento dos mesmos?

As rotinas dos Hospitais Psiquiátricos é determinada pelas equipes do hospital e, como são contratados pelos SUS, eles devem obedecer as regras de atendimento humanizado, e os processos de trabalho não são monitorados diretamente pelo governo municipal. Já os CAPS têm suas atividades monitoradas por CONAC da SMS-PMSP e discutidas em reuniões com as interlocuções regionais.

Os CAPS realizam acolhimento em porta aberta (no momento em que o paciente chega ao serviço), consultas, grupos terapêuticos, oficinas terapêuticas, atendimento familiar, reabilitação psicossocial, atividades culturais e matriciamento (como uma orientação e formação) da Atenção Básica e articulação da rede intersetorial (assistência social, cultura, educação e outros).

Porque as pessoas ainda pensam de maneira tão errônea a respeito de saúde mental?

Esta resposta é mais complexa e podem-se pensar vários motivos. Um é o preconceito (histórico) quanto aos transtornos mentais que, por muito tempo, foram tratados pelo isolamento social dessas pessoas, nas sociedades ocidentais. Isto foi discutido por Michel Foucault, nas obras “História da loucura na idade clássica” (1961) e “O poder psiquiátrico” (1973-1974).

Outro é a necessidade de políticas públicas e investimento financeiro em novas instituições, para se lidar com essas pessoas de maneira inclusiva.
Um terceiro fator pode ser que a transformação social não é um processo linear, mas se dá em ações, reações e contrarreações e assim sucessivamente, num processo que podemos chamar de dialético, de progressos e regressos, ideologia e contra-ideologia, o novo e o velho presentes em nossas ações e relações sociais.

E como uma pessoa se “cura” nesses casos?

A ideia não é mais a cura, mas a inclusão social dessas pessoas, pois, mesmo tendo transtornos mentais, elas têm habilidades e potencialidades para viver em sociedade e serem produtivas e, o papel do projeto terapêutico deve ser buscar, desenvolver e estimular essas potencialidades. O processo é lento e, penso eu, um pouco semelhante ao que falei do processo de transformação social na questão anterior.

Muitos casos, disse uma vez um psiquiatra do CAPS II Adulto, em visita domiciliar compartilhada de UAD e CAPS, são casos de “pequenas vitórias”. Assim o profissional de saúde mental precisa tolerar o tempo, a espera e as incertezas, enquanto atua.