Prontuário afetivo humaniza atendimento a pacientes com Covid-19 em hospitais municipais

Gostos musicais, hobbies, apelido e até time de futebol fazem parte do modelo

Para humanizar o atendimento a pessoas com Covid-19, os hospitais municipais da Brasilândia e da Bela Vista adotaram um modelo alternativo de prontuário, usado em conjunto com o tradicional. É o chamado prontuário afetivo, que, além do nome, idade, dados técnicos e as recomendações para tratamento, contam com informações como a preferência musical, apelido, nome dos filhos, do companheiro ou companheira, time de futebol, entre outras curiosidades que aproximam e comovem equipes de saúde e pacientes, além de contribuir para uma recuperação mais rápida e eficaz.

O segurança Leonardo Costa Melo, 33 anos, ou Léo, como era chamado no Hospital Municipal da Brasilândia, onde ficou internado 19 dias por Covid-19, e gostou tanto do prontuário afetivo que, hoje, o guarda em uma das paredes de sua casa. “Eu cheguei lá muito debilitado, não comia há dois dias. Na UTI [Unidade de Terapia Intensiva] passei por um momento tão difícil, com dores, medo, desorientado, solitário, que pensei em desistir. Foi quando uma enfermeira e o psicólogo chegaram até mim com perguntas pessoais como meu time de futebol e o nome dos meus filhos, e fizeram o prontuário especial. Isso fez com que toda a equipe conversasse comigo de maneira diferente. Brincavam, perguntavam por minha família, as músicas de que gostava e isso me animou muito. Por alguns momentos eu esquecia da doença. Parece até um papel qualquer, mas significa muito mais do que isso. Me senti acolhido de verdade.”

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Essa mudança também foi benéfica para os funcionários. Segundo Graziela Domingues, supervisora da equipe multidisciplinar do Hospital Municipal da Bela Vista, que implantou o prontuário afetivo em junho, o método aproximou os pacientes dos profissionais de enfermagem, médicos e psicólogos. “Com esse prontuário, há o lado humano, além da assistência técnica e mecânica. A gente consegue perceber o que tem por trás do leito, que são pessoas como nós, com filhos, religião, vida. Isso despertou inclusive um olhar para dentro de nós. Todos os dias estamos lembrando que lá está o Seu Zé, que ele é corintiano e gosta de lasanha, por exemplo. Estamos cuidando do amor, do pai ou mãe de alguém. Essas práticas humanitárias são um divisor de águas e precisamos manter e ampliar esse tipo de projeto, que começou na UTI e hoje estendemos para a enfermaria”, comenta.

Foto de um prontuário. Com margem em branco e fundo azul, o papel tem "Prontuário afetivo" escrito na parte de cima. Embaixo, há o nome do paciente Leonardo Costa Melo. Em canetas coloridas, nas cores lilás, verde, vermelho e preto, estão descritas algumas informações sobre o paciente: "Gosta de: jogar bola. Corinthiano. Comida favorita: comidas nordestinas. Gosto musical: sertanejo, sertanejo (raiz), brega, música antiga. Profissão: segurança. Família: marido da Sandra, pai do Danilo e Heloísa.

Prontuário afetivo aproxima equipes de saúde e pacientes (Foto: Arquivo Pessoal)

De acordo com Roberto Navarro Morales Júnior, supervisor da equipe multidisciplinar do Hospital Municipal da Brasilândia, totalmente voltado ao tratamento de Covid-19, é também uma maneira de o paciente se sentir confortável e contar sobre o que sente. “Começamos em janeiro e isso contribui muito para o tratamento, pois quebra aquela relação fria e técnica. Antes, a gente chegava no leito para conversar com eles, checava os dados, sinais vitais e focava no tratamento e doença. A partir de agora, os chamamos pelo nome que gostam, puxamos o assunto que querem conversar, falamos sobre o livro favorito, o ator etc. Com o prontuário afetivo parece que nos conhecêssemos há muito mais tempo. A adesão ao tratamento aumentou. Quando você começa a criar mais empatia, eles se sentem mais confortáveis no dia a dia, tiram mais dúvidas, se abrem. Sentimos que eles estão mais felizes, compreendem melhor como é o tratamento e como eles mesmos podem ajudar”, finaliza.

A Secretaria Municipal da Saúde de São Paulo tem a intenção de expandir essa iniciativa e, para isso, está estudando quando e qual a melhor forma de ampliar o prontuário afetivo para mais unidades da rede municipal.