Saúde possui equipes especializadas no acompanhamento a crianças e jovens vítimas de violência

Já implantados na zona sul da capital, núcleos contam com psicólogas, assistentes sociais e terapeutas ocupacionais, que fornecem atendimento e psicoterapia a este público e suas famílias

A Secretaria Municipal da Saúde (SMS) tem hoje estruturado na zona sul da capital um programa de suporte a crianças e adolescentes vítimas de violência que é referência dentro da Parceria Global pelo Fim da Violência contra Crianças e Adolescentes, iniciativa criada em 2016 e liderada pela Organização das Nações Unidas (ONU).

As Equipes Especializadas no Atendimento às Crianças e Adolescentes Vítimas e/ou Testemunhas de Violência (EEV), representam um passo além em relação ao trabalho já realizado pelos Núcleos de Prevenção à Violência (NPV), presentes em todos os equipamentos de saúde da cidade de São Paulo.

As EEVs, depois do trabalho inicial dos NPVs e constatada a dificuldade no manejo clínico de determinadas situações, são responsáveis por acolher e dar suporte psicoterapêutico pelo tempo necessário às vítimas (crianças e adolescentes com idades entre 0 e 17 anos, 11 meses e 29 dias) e suas famílias, além de atuar em conjunto com o Ministério Público e o Juizado da Infância e Juventude, se necessário.

As cinco EEVs ligadas às Supervisões Técnicas em Saúde (STSs) da Coordenadoria Regional de Saúde (CRS) da zona sul foram estruturadas a partir de 2018 em regiões como as de M’Boi Mirim, Parelheiros, Cidade Dutra e Santo Amaro. Todas as equipes são dedicadas e possuem no mínimo seis profissionais técnicos, entre psicólogos, assistentes sociais e terapeutas ocupacionais. Desde o início de sua atuação, as EEVs da região já atenderam mais de 821 crianças e adolescentes vítimas de violência (em atendimento individual semanal que pode seguir por meses ou até anos), além de 950 famílias (em sessões individuais ou em grupo).

Casos refletem vulnerabilidade socioeconômica do território
“Muitos dos casos são de violência física e abuso sexual, frequentemente com membros da própria família envolvidos; são situações muito complexas, e o nosso primeiro objetivo é sempre acolher e proteger a criança e o jovem, para que a vítima não seja exposta a novas violências”, diz a psicóloga Lúcia Ferraz Correa, interlocutora da área técnica de Saúde Integral da Pessoa em Situação de Violência para a CRS Sul. “Atuamos sempre no sentido de obter o máximo de resolutividade, mas quando isso não é possível e há uma judicialização do caso, o que pode significar a perda da guarda dos filhos pelos pais, por exemplo, colaboramos com subsídios para que a Vara da Infância e da Juventude da região tome suas decisões” acrescenta ela.

De acordo com Lúcia, o aprofundamento do cuidado promovido pelas EEVs, com a elaboração de projeto terapêutico singular (PTS) e um tempo de atendimento psicoterapêutico que varia de acordo com a necessidade individual, permite um enorme avanço no enfrentamento das questões envolvendo violência. “Existem situações, por exemplo, em que o agressor é um jovem, que por sua vez também foi uma vítima de agressão, e a compreensão desta realidade nos permite, em determinadas situações, realizar um trabalho também junto ao agressor, evitando desfechos como sua institucionalização, que muitas vezes só amplia a tragédia familiar”.

Objetivo é implantar EEVs em todas as Supervisões Técnicas de Saúde
A assessora da Área Técnica de Saúde Integral da Pessoa em Situação de Violência, Cássia Liberato Muniz Ribeiro, conta que em 2015 a SMS deu um passo importante com o desenvolvimento da linha de cuidado na atenção integral à saúde da pessoa em situação de violência e a criação dos NPVs. “Constatamos que não haveria como cumprir o que está previsto no Estatuto da Criança e do Adolescente sem uma ampliação nos cuidados com as crianças e jovens vítimas de violência, e foi assim que chegamos também ao modelo das EEVs, que esperamos levar para todas as regiões da cidade”, diz.

A notificação dos casos ou mesmo de suspeita de violência contra crianças, adolescentes, mulheres e idosos é compulsória, e o registro deve ser feito por meio do Sistema de Informação de Agravos de Notificação (Sinan), do Ministério da Saúde (MS) e realizada por qualquer profissional de saúde.

A experiência do EEV M’Boi Mirim
A EEV de M’Boi Mirim atua na região constituída pelos distritos de Jardim Ângela e Jardim São Luiz, que concentram uma população de 620 mil habitantes na zona sul de São Paulo. A equipe foi a primeira a se estruturar, no início de 2019, e atualmente conta com uma equipe técnica formada por dois assistentes sociais, dois terapeutas ocupacionais e quatro psicólogos.

Ao longo destes quase quatro anos, 293 casos foram atendidos pelos profissionais, mesmo considerando as restrições ao atendimento presencial ao longo de 2020 e 2021, com a pandemia de Covid-19 - que por sua vez fez disparar o número de casos de violência.

Segundo a psicóloga Roberta Casarin, que é apoiadora técnica em saúde e responsável por fazer a interlocução entre a EEV de M’Boi Mirim e as 30 UBSs do território, a equipe especializada atende atualmente 128 casos, em sua maioria encaminhados pelos NPVs. “Os mais frequentes, quase 69%, envolvem violência sexual, e não é raro nos depararmos com várias gerações vítimas de violência ao longo do tempo em uma mesma família, como a avó, a mãe, a filha, dentro de uma realidade de extrema vulnerabilidade social; isso exige uma atuação integrada dos profissionais da equipe, pois são muitas questões a serem abordadas, inclusive as culturais”, comenta Roberta.

Desta forma, o suporte ao núcleo familiar – às vezes até cinco ou seis pessoas – não se limita à psicoterapia com consultas individuais, envolvendo ainda sessões conjuntas, formação de grupos de apoio e oficinas. “Temos um número significativo de crianças pretas e pardas atendidas pela equipe, então criamos por exemplo uma oficina de turbantes para trabalhar noções de identidade e pertencimento com a meninas, reforçando sua autoestima”, relata a psicóloga, que avalia como muito positivo o trabalho das equipes especializadas. “São raras as famílias que abandonam o atendimento, e como o tempo percebemos uma mudança na dinâmica destas famílias e no olhar das crianças”.