Agente comunitária de saúde que combate a violência contra a mulher encontrou no trabalho a saída que buscava

Toda a vivência da profissional se tornou aprendizado para identificar e ajudar mulheres e famílias em situação de vulnerabilidade

Cindy Keyrrinson, 52 anos, é assistente social e agente comunitária de saúde (ACS). Ela faz parte de uma equipe de 30 agentes que têm como meta visitar, todos os meses, 200 residências de Lajeado, na subprefeitura de Guaianases, zona leste de São Paulo. Hoje exemplo de enfrentamento à violência contra a mulher, Cindy carrega em sua trajetória um histórico de abusos semelhantes aos que combate.

Há oito anos ela trabalha na Unidade Básica de Saúde (UBS) Jardim Fanganiello, gerenciada pela Organização Social de Saúde (OSS) Santa Marcelina. Se fosse pelo ex-marido, Cindy não viveria o sonho profissional. Ela foi casada por 20 anos e não encontrou no parceiro da época qualquer apoio para estudar, pelo contrário. “Além de controlar o meu direito de ir e vir e as roupas que eu usava, ele dizia que eu não estudava, mas saía de casa para me encontrar com um amante”, conta.

Na imagem aparece Cindy, uma mulher preta, de 52 anos, com cabelos na altura dos ombros e usa um batom roxo. Cindy está vestida com um macacão jeans e é possível ver o nome do SUS em uma camiseta branca que ela usa embaixo do macacão

 

Cindy enfrenta a violência doméstica desde jovem e, agora, na sua atuação profissional

A situação é semelhante à enfrentada por mulheres que dependem financeiramente de homens e não conseguem se desvencilhar de relacionamentos abusivos. Essa não tinha sido a primeira vez que Cindy enfrentava a violência dentro de sua própria casa. Em suas memórias de infância, está a mãe vítima de constantes abusos sexuais cometidos pelo pai. “Desde cedo, eu dizia que ia trabalhar para tirar a minha mãe dessa situação, e consegui”, lembra.

PORTAS ABERTAS AO CUIDADO COM AS PESSOAS

Foi o trabalho a chave que ela precisava para se afastar do casamento que a adoecia. “Quando eu consegui esse emprego, pude dar início à estabilidade financeira que eu buscava. Além disso, todas as formações que tive foram indispensáveis para que eu não só identificasse mulheres em situação de violência, mas também me reconhecesse nessa posição. Foi o trabalho que me permitiu fechar as portas e não voltar nunca mais”, reconhece Cindy. Toda a vivência se tornou aprendizado para identificar, até hoje, mulheres e famílias em situação de vulnerabilidade.

Ela conta, em um misto de atenção e sensação de dever cumprido, a história de uma família de imigrantes que cruzou o seu caminho como agente comunitária de saúde. “O marido tinha outras mulheres, a infectou com sífilis e ela estava grávida. Por conta do trabalho como agente, estive na casa deles e percebi que algo estava errado. Ela foi encaminhada para atendimento, tratamento e o pré-natal. Depois, começou a fazer cursos, um deles foi o de produção de bolos, que passou a vender, saiu de casa, vive com o filho em outro bairro e é muito grata pelo que fizemos por ela na UBS.”

Os dias de Cindy são repletos de portas que se abrem para o cuidado que oferece nas suas caminhadas pelo Lajeado. “Eu trabalho com empatia e tenho criado vínculos muito grandes com as famílias. Em muitos casos, pessoas abusadoras são aquelas que foram abusadas, e nós queremos o fim da violência para todos, queremos que as crianças cresçam em ambientes saudáveis. De maneira geral, é com amor e café que essas pessoas me recebem”, afirma.

Fora do horário de trabalho, a profissional também atua para sensibilizar e proteger mulheres vítimas de abuso. Ela se tornou promotora legal popular e, para além das moradoras do Lajeado, ela faz transmissões ao vivo no grupo de Facebook Decifrando o Silêncio e visita outros espaços públicos aos fins de semana para promover a conscientização. Nesse trabalho, conta com o apoio da mulher mais importante da sua vida, a mãe, que a acompanha em outros espaços públicos.

Cindy está em uma foto com os cinco filhos: Greice, Emanuel, Diego, Keynrrison e João. Todos eles estão vestidos com camisetas do Corinthians e estão em uma festa de aniversário com o mesmo tema. Há várias bexigas no ambiente, enfeite simbolizando bola de futebol e o logotipo do time

Cindy e seus cinco filhos: Greice, Emanuel, Diego, Keynrrison e João

Q+

Cindy adora ir a bares de karaokê com o namorado musicista. Ela também criou uma agenda especial para estar mais próxima de cada um dos cinco filhos. Como a prole é grande e tem idades diferentes, vez ou outra são eles que escolhem o passeio, que pode ser um filme para os mais novos ou um jogo para os mais velhos.