Grupos de adolescentes criados por UBSs abordam temas importantes para este público

Bullying, relacionamentos, sensação de não pertencimento, emoções e inseguranças estão entre os temas abordados, em encontros mediados por psicólogas

Se o adolescente não vai à Unidade Básica de Saúde (UBS), esta vai até ele. Embora este público costume não estar mais tão presente nas unidades, o suporte integral em saúde nesta fase da vida, que traz questões sobre mudanças hormonais, saúde reprodutiva e saúde mental, entre tantas outras, é tão essencial quanto em qualquer outra.

Uma forma de dar suporte aos adolescentes, adotada por algumas UBSs da cidade, é a formação de grupos coordenados por equipes multidisciplinares – psicólogas, enfermeiras, assistentes sociais, de acordo com o foco da abordagem. Os encontros destes grupos, muitos deles criados durante a pandemia de Covid-19, podem acontecer na própria UBS, em escolas ou em outros locais do território.

Dando voz ao jovem
Localizada na região do Jardim São Luís, na zona sul da cidade, a UBS Brasília deu início a reuniões com adolescentes em uma escola da região antes da pandemia de Covid-19. Por meio de parceria com a Secretaria Municipal da Educação (SME), a Secretaria Municipal da Saúde (SMS) desenvolve o Programa Saúde na Escola, com ações de promoção à saúde e prevenção de doenças, baseadas na corresponsabilidade e compartilhamento de saberes entre as equipes da Atenção Básica e a Unidade Escolar.

“As demandas, no caso, eram relacionadas a questões de saúde mental, comportamentos autodestrutivos, bullying e ansiedade”, conta a gestora da unidade, Priscilla Salomão Baptista Niggli. Ela acrescenta que, com o avanço do trabalho, os jovens pediram mais espaço, tanto para se expressar quanto em termos físicos.

“Eles queriam um espaço neutro para os encontros, e então conseguimos um outro local na comunidade”, diz a gestora, acrescentando que a nova fase do grupo, que costuma reunir de sete a 10 adolescentes com idades entre 14 a 17 anos, teve início em outubro de 2022, com reuniões semanais. O nome do grupo é justamente “Dando voz ao adolescente”.

Segundo Rosemeire Pereira dos Santos, psicóloga da UBS, ao longo dos encontros são abordados temas como convivência e conflitos familiares, incertezas em relação ao futuro, sentimento de falta de pertencimento e desvalorização enquanto pessoas. “São questões que se relacionam muitas vezes a situações graves, como uso de drogas, abuso sexual e várias situações de risco”, comenta.

Por meio de uma série de atividades propostas a cada encontro, como por exemplo escrever de forma anônima situações do cotidiano que geram desconforto e sofrimento, os jovens conseguem conversar sobre estes pontos, ressignificando-os.
“Conseguimos avançar com eles em termos de fortalecimento emocional, habilidades sociais, perspectivas de futuro e autonomia”, diz a psicóloga, acrescentando que um elo de amizade também se formou entre os integrantes. Outro desdobramento bem-vindo é a adesão maior aos outros serviços da UBS.

Oficina em escola
Na Escola Municipal de Ensino Fundamental Deputado José Blota Júnior, no Parque Horizonte Azul, também na zona sul de São Paulo, a equipe da UBS Horizonte Azul foi convidada pela direção da escola a trabalhar questões relacionadas a violência e bullying junto aos adolescentes do 7º, 8º e 9º anos. Desde março, uma equipe multidisciplinar envolvendo também o Centro de Atendimento Psicossocial (Caps) Infanto Juvenil M’Boi Mirim e a Associação Comunitária Monte Azul vem realizando oficinas com as três turmas, que reúnem adolescentes de 12 a 14 anos.

A oficina foi estruturada em três módulos, que trabalharam a exteriorização de sentimentos e emoções, comunicação não violenta e valorização da vida. A seguir, a equipe trabalhará com os educadores da escola. “A ideia é realizar acolhimento, oferecer orientações e fortalecimento para que lidem com as diferentes situações de sua prática profissional e, por sua vez, possam acolher os alunos”, comenta a psicóloga Helen Batista Figueiredo, acrescentando que, sempre que necessário, os estudantes são encaminhados para atendimentos individuais na UBS ou em outros equipamentos, e o próximo passo deve ser a criação de um grupo externo, vinculado à unidade.

A foto mostra um grupo de cerca de 15 jovens em uma sala de aula; eles estão sentados no chão em um círculo, seguram folhas de papel nas mãos e conversam entre si

Adolescentes durante oficina promovida pela UBS Horizonte Azul (Acerco SMS)

Pais e responsáveis também recebem atendimento
Na UBS Jova Rural, na zona norte da cidade, dois grupos, um de pré-adolescentes e outros de adolescentes, foram criados em 2021, no auge da pandemia de Covid-19, para trabalhar questões como ansiedade, imagem e autopercepcão, relação conflituosa familiar, dificuldades no âmbito social. “São problemas que podem evoluir para comportamentos autolesivos, por isso precisam ser abordados”, comenta a psicóloga Cleise Mussolin, que coordena o trabalho.

Segundo ela, os encontros, que são semanais, envolvem psicoterapia, psicoeducação, dinâmicas e sessões de meditação. Entre os resultados obtidos, diz a profissional, estão a evolução dos adolescentes em aspectos como empatia, desenvolvimento de vínculos e rede de apoio, melhora da autoaceitação e autorregulação emocional, autonomia, pensamento crítico, aceitação de emoções e manejo da ansiedade. “Também conseguimos uma aproximação dos pais e responsáveis, porque o trabalho se estende a eles”, conta Cleise.

A UBS realiza ainda projetos conjuntos com outros espaços. No Centro para Crianças e Adolescentes (CCA) Jova Rural II, que atende estudantes em situação de vulnerabilidade social no contraturno escolar, por exemplo, agentes comunitários de saúde (ACS) promoveram, em maio, a “Teia de emoções”, atividade que abordou a conexão necessária entre as pessoas em seu convívio social, além de orientar sobre a importância das vacinas. “A adolescência, em meio a tantas transformações e potenciais conflitos inerentes a esta fase da vida, precisa, tanto quanto outras fases da vida, de atenção integral em saúde, que vai muito além do aspecto físico”, enfatiza a gerente da unidade, Thais Rosa de Paula Reses.

Veja a seguir alguns depoimentos de adolescentes atendidos pela UBS Brasília, na zona sul:

Desde que comecei a frequentar os encontros tenho me sentido mais acolhida e mais ouvida, ao mesmo tempo também tenho acolhido e ouvido quem precisa. Encontrei pessoas que têm problemas semelhantes aos meus, e além de receber ajuda e dicas, também ajudei essas pessoas, fiz amigos e criamos juntos um ambiente agradável e confortável onde podemos ser realmente sinceros e falar sobre o que sentimos ou como nos sentimos em determinadas situações.
A.L.S.O. (15 anos)

Desde que eu entrei para o grupo me sinto melhor em todos os sentidos, eu vejo as coisas de uma forma diferente, venho aprendendo toda quarta-feira a lidar comigo e meus sentimentos de formas mais saudáveis, me faz bem.
A.L. – (18 anos)

Entrei no grupo porque era um menino muito tímido e ansioso, entrei a fim de ajudar a me comunicar melhor e entender meus sentimentos. Há mais ou menos seis meses eu evitava me mostrar, evitava falar e me excluía muito. Hoje eu converso mais e fiz novas amizades e até comecei a namorar. Agora também tenho um melhor relacionamento com o meu pai, antes não dizia nada para ele e agora conto quase tudo. Sobre a ansiedade, também tive uma melhora, porque descobri que não estou sozinho e que todos temos problemas, basta saber resolvê-los. O grupo ajudou muito e acho interessante que ele seja mais reconhecido, para que jovens como nós consigam se encontrar.
M.E. (16 anos)