Saúde oferece acolhimento a mulheres em situação de violência

No dia voltado ao combate a este tipo de violência, equipamentos destacam iniciativas como o atendimento multidisciplinar, com ações de prevenção, conscientização e cuidado integral

O Dia Nacional de Luta contra a Violência à Mulher, lembrado nesta terça-feira (10), visa conscientizar e sensibilizar a sociedade sobre os dados da violência contra a mulher no país, a importância de se denunciar agressores, além das leis, políticas públicas de proteção e demais ações para enfrentar essa realidade.

Segundo o “Anuário Brasileiro de Segurança Pública de 2022”, elaborado pelo Fórum de Segurança Pública, a estimativa é que só no ano passado, cerca de 18,6 milhões de mulheres sofreram algum tipo de violência no país, o que equivale a 50 mil casos por dia. Os boletins de ocorrência das polícias civis das 27 Unidades da Federação, por sua vez, registraram 1.319 casos de feminicídio em 2022, o que significa que a cada sete horas uma mulher foi morta no Brasil apenas por ser mulher.

Na cidade de São Paulo, de acordo com o Sistema de Informação de Agravos de Notificação (Sinan), utilizado no Sistema Único de Saúde (SUS) para o registro de ocorrências de notificação compulsória, em 2022 foram registrados 31.901 casos de violência contra a mulher. Em 2023, de janeiro a julho, foram notificados 19.829 casos.

Os dados deixam clara a necessidade de desenvolver ações estratégicas destinadas ao enfrentamento às múltiplas e complexas formas de violência contra mulheres, compreendendo as dimensões da prevenção, da assistência e garantia de direitos.

Núcleos de Prevenção à Violência

É neste cenário, no qual a violência também é um caso de saúde pública, que a Secretaria Municipal da Saúde (SMS) instituiu vários mecanismos de proteção e acolhimento, como os Núcleos de Prevenção à Violência (NPVs), a garantia de acolhimento institucional sigiloso e o Programa de Acompanhamento Psicológico às Mulheres Vítimas de Violência Doméstica.

Os NPVs foram instituídos para lidar com a questão da violência contra a mulher e os demais públicos vulneráveis, como crianças e idosos, em todas as unidades da rede municipal de saúde de São Paulo, incluindo as 470 Unidades Básicas de Saúde (UBSs). Formados por equipes multidisciplinares, eles desenvolvem ações de prevenção, conscientização e acolhimento. Em casos envolvendo violência, a equipe do NPV é acionada para articular o cuidado de forma integral.

“Cabe aos profissionais da equipe do NPV articular as ações de assistência, prevenção e promoção no sentido de estabelecer o cuidado integral às pessoas em situação de violência, utilizando para isso o dispositivo de projeto terapêutico singular (PTS) e as ferramentas de cultura de paz, assim como estimular a formação de grupos terapêuticos, por meio de uma abordagem baseada no respeito e consideração”, diz Cássia Ribeiro, coordenadora da Área Técnica de Atenção Integral à Saúde da Pessoa em Situação de Violência da SMS. Ela ressalta que as equipes de saúde atuam de forma ativa e estão preparadas para detectar situações envolvendo violência doméstica.

Além disso, para implementar o Programa de Acompanhamento Psicológico às Mulheres Vítimas de Violência Doméstica, foram criadas as equipes especializadas em violência nas Supervisões Técnicas de Saúde (STSs). Essas equipes atuam em parceria com os NPVs, oferecendo atendimento psicossocial e terapêutico por meio de intervenções e estratégias individuais e em grupo, a fim de promover o fortalecimento dos vínculos familiares e comunitários, além da potencialização da autonomia. Elas também apresentam às pessoas em situação de violência informações a respeito dos recursos jurídicos e de proteção social para lidar com a situação.

Grupos nas UBSs são espaço para troca de experiências

Nas UBSs, equipamentos que possuem vínculo mais estreito com as populações de seus territórios, os grupos voltados às mulheres muitas vezes também se tornam o espaço de acolhimento para pessoas que convivem com várias formas de violência, seja doméstica, urbana, econômica, assédio moral ou outras.

Um exemplo é o grupo Bem-estar, na Assistência Médica Ambulatorial (AMA)/UBS Integrada Parque Figueira Grande, localizada na região de M’Boi Mirim, na zona sul de São Paulo. “Começamos há mais de um ano para lidar com temas de saúde mental junto a mulheres com problemas como depressão, ansiedade e crises de pânico”, conta a psicóloga Roberta Lindoni Salatiel Silva, que coordena o grupo.

Ela relata que não raro essas mulheres procuram o serviço de saúde em busca de resolução para problemas físicos que estão conectados ao sofrimento emocional. As reuniões acontecem todas as sextas-feiras pela manhã, com a presença de 10 a 12 mulheres. Ali, neste espaço de interação, a partir da identificação que ocorre entre as participantes e da mediação de Roberta, que propõe temas e conduz as dinâmicas, aos poucos surge a confiança e a coragem para compartilhar problemas, dores, inseguranças e medos.

“A maior parte já vivenciou ou vive situações de violência no cotidiano, mas ao mesmo tempo esse é tema muito sensível, que gera desconforto; porém, percebo que mesmo quem não consegue falar sobre o assunto se beneficia ao ouvir a fala das colegas, e também percebemos uma redução da sintomatologia nestas mulheres, ao longo do tempo. É a cura pela fala”, ressalta a psicóloga, lembrando que casos mais graves detectados nas UBSs podem ser direcionados para outros equipamentos, além de serviços que promovem encaminhamento assistencial e legal.

‘Crônicas de Marias’ convida mulheres a registrarem suas vivências

Em Sapopemba, na zona leste da cidade, o Centro de Atenção Psicossocial Álcool e Drogas (Caps AD) II Sapopemba desenvolve desde 2021 o projeto terapêutico “Crônicas de Marias”, que é referência para escuta qualificada de mulheres na capital.

O projeto propõe um modelo de conversa que reúne e incentiva mulheres frequentadoras a contarem suas histórias e dividi-las com outras que passam por situações semelhantes. Uma forma de compartilhar sentimentos, gerar empatia e dar empoderamento a elas que, em sua maioria, chegam aos locais com baixa autoestima.

O que começou com depoimentos de usuárias de substâncias psicoativas sobre as dificuldades do dia a dia de cada uma, também mostrou histórias que passavam por violência, solidão, baixa autoestima, dificuldades da maternidade, relações abusivas e muitas outras situações comuns a tantas delas. Foi aí que nasceu a ideia de registrar esses relatos no papel, batizado de “escrevivências”, como forma de inspirar umas às outras.

O projeto já rendeu mais de 100 crônicas, tendo atendido 318 mulheres no Caps Sapopemba e outras 226 na UBS Iaçapé, onde funciona desde agosto do ano passado. Em 2022, o projeto “Crônicas de Marias” foi reconhecido como modelo nacional de atenção à saúde na “17ª Mostra Brasil, aqui tem SUS”, promovida pelo Conselho Nacional de Secretarias Municipais de Saúde (Conasems) e também pelo “11º Prêmio David Capistrano”, promovido pelo Conselho de Secretários Municipais de Saúde (Cosems).