Hospedaria de Cuidados Paliativos completa 20 anos

Ligado ao Hospital do Servidor Público Municipal, serviço oferece acolhimento e cuidados a pacientes com doenças graves, por meio da atuação de uma equipe multidisciplinar

A foto mostra a fachada de um casarão, pintado de amarelo claro e rodeado de árvores; em frente há uma placa azul, onde se lê “Hospedaria de Cuidados Paleativos – Hospital do Servidor Público Municipal”

Fachada da hospedaria, instalada em um casarão da década de 1950 (Acervo/SMS)

Em uma tarde do mês de maio, Rosana Luiz Brito, 55 anos, aguardava sua mãe, Elza Helena Luiz, de 81 anos, receber atendimento ambulatorial na Hospedaria de Cuidados Paliativos do Hospital do Servidor Público Municipal (HSPM). Depois de se despedir do pai, Expedido, neste mesmo local, há 12 anos.

“Meu pai passou um mês aqui antes de falecer, e este período foi bom não apenas para ele, mas para toda a família, pois permitiu que nos preparássemos para a morte de uma forma muito tranquila e natural; por isso quero que também minha mãe possa ficar aqui, quando for necessário”, comenta a dona de casa, emocionada.

Nestes 20 anos de funcionamento, completados em junho, a Hospedaria de Cuidados Paliativos reúne centenas de histórias, não apenas de pacientes com doenças graves e progressivas, mas também de parentes como Rosana, que ganham um tempo de qualidade com seus entes queridos, durante o qual conseguem despedir-se e dar início ao seu processo de luto em um ambiente acolhedor e fora do ambiente hospitalar.

Pioneira na rede municipal de saúde, a Hospedaria de Cuidados Paliativos do HSPM ocupa um casarão construído em 1957 no bairro da Aclimação, região central da capital, a cerca de um quilômetro do hospital. O espaço é amplo e impressiona com seus vitrais, mármores e uma escadaria dupla. Mas o melhor é a infraestrutura, com 10 leitos e uma equipe formada por dois enfermeiros, nove auxiliares de enfermagem, um técnico de enfermagem, além de quatro médicos, uma assistente social, uma psicóloga e uma fisioterapeuta que se dividem entre o HSPM e a hospedaria.

O secretário municipal da saúde, Luiz Carlos Zamarco, ressalta a importância do serviço. “A história da Hospedaria de Cuidados Paliativos do HSPM mostra o cuidado, a atenção e o carinho dos profissionais do hospital com os servidores da Prefeitura, em sempre prestar um atendimento de excelência, com muito respeito, principalmente diante de doenças graves. Estamos convictos de que há pela frente um trabalho árduo, mas nossa equipe está empenhada e comprometida em fazer o melhor. Nosso serviço é exemplo para todo o país.”

A foto mostra duas mulheres, uma mais jovem e outra idosa; a mulher mais jovem está de pé, levemente reclinada sobre a idosa, sentada em uma cadeira de rodas; uma de suas mãos está pousada sobre a mão da idosa, e a outra pousada em sua cabeça; a idosa sorri e olha para a outra mulher; elas estão ao lado de uma maca, e atrás é possível ver uma balança e um aparelho de medir pressão arterial

Rosana e a mãe, Elza, que recebe cuidados ambulatoriais na hospedaria (Acervo/SMS)

Acolhimento
A criadora e gestora da hospedaria nestes 20 anos é a oncologista Dalva Yukie Matsumoto. Ela conta que a ideia de criar um centro dedicado aos cuidados paliativos surgiu ainda no período de residência no HSPM. “Eu acompanhava os pacientes e sentia que tudo o que se fazia era insuficiente, que não dávamos conta de tanto sofrimento, que os profissionais de saúde tentavam ao máximo ser resolutivos, numa batalha às vezes desenfreada pela cura, e que isso podia causar ainda mais sofrimento para o paciente, para a família e para os próprios profissionais de saúde.”

O primeiro passo em direção de um maior acolhimento às pessoas com doenças graves e sem perspectiva de cura veio com a criação de um grupo multidisciplinar dentro do HSPM. “Nós nos sentávamos e ouvíamos os pacientes, e o que percebemos foi que a partir daí eles apresentavam uma melhor resposta ao tratamento”, relata a médica, que conseguiu o tão sonhado espaço para cuidados paliativos anos depois, em 2004. “Na época fizemos uma pesquisa sobre o perfil do servidor público municipal e descobrimos que 70% eram mulheres com mais de 40 anos, ou seja, um público que no médio prazo precisaria de cuidados”.

Dalva conta que desde o início, a maioria dos pacientes encaminhados à hospedaria possui algum tipo câncer, com predominância de próstata, nos homens, e de mama, nas mulheres; os outros 20% dividem-se entre doenças degenerativas como o Alzheimer, sequelas de outras doenças, como Parkinson, além de pessoas com insuficiência renal e cardíaca. Uma mudança percebida, nestas últimas duas décadas, no entanto, é a de que a faixa etária média dos pacientes caiu. “Hoje temos pessoas com 30, 40 anos, às vezes mulheres com filhos pequenos e uma doença em fase terminal”, lamenta a oncologista.

Tempo para reflexão
Desde a sua criação, já passaram pela hospedaria 853 pacientes encaminhados pelo HSPM; todos receberam os cuidados necessários no sentido não apenas de mitigação da dor, mas também de suporte integral às suas necessidades psicológicas e mesmo espirituais, estendido também aos seus familiares.

“Existe muita dificuldade de aceitar a finitude, e ao mesmo tempo os cuidados paliativos ainda estão envoltos pela falta de informação, como por exemplo a noção de que o cuidado paliativo só é adotado quando não há mais o que fazer, quando isso não é verdade, muitas vezes ainda há muito que se fazer, e também existem pacientes que ainda viverão por bastante tempo, e que podem ter minimizado o sofrimento causado por doenças que não têm cura”, comenta Dalva, lembrando que a hospedaria recebe pacientes que permanecem por dias, mas também por meses e até anos, em alguns casos.

Foi o caso de Luiz Carlos Francisco dos Santos, que em 2017 teve o diagnóstico de câncer de próstata. Em 2018 ele foi internado na hospedaria. A esposa, Alice Conceição de Souza, conta que Luiz era um paciente rebelde, que faltava às consultas e não fazia os exames solicitados. Acabou chegando à hospedaria com o tumor em metástase, e ali foi cuidado pela equipe multidisciplinar até falecer, em julho de 2019.

“Foi um período triste e maravilhoso ao mesmo tempo, pois aqui dentro formamos laços com as outras famílias, e meu marido teve uma sobrevida muito maior que o esperado”, comenta a viúva. “Durante esse período, ele teve tempo para trabalhar suas mágoas, conseguiu conversar sobre as dores da vida e, quando chegou a hora, partiu em paz, tendo se despedido de mim e de nossa filha”, emociona-se Alice, que diz guardar gratidão pelo trabalho realizado pela hospedaria.

Saiba mais sobre cuidados paliativos
De acordo com a Organização Mundial de Saúde (OMS), cuidado paliativo é uma abordagem que melhora a qualidade de vida de pacientes e familiares que enfrentam problemas associados às doenças que ameacem a continuidade da vida, por meio da prevenção e alívio do sofrimento, com identificação precoce, avaliação e tratamento da dor e outros problemas de natureza física, psicossocial e espiritual.

Entre os pilares do cuidado paliativo estão ainda a reafirmação da vida e da morte como processos naturais, onde tanto apressar quanto adiar a morte é evitado. Além disso, ele busca integrar os aspectos psicológicos, sociais e espirituais ao cuidado clínico com o paciente e familiares. Por isso, atuam como paliativistas não apenas médicos, mas também profissionais de enfermagem, psicólogos, assistentes sociais, fonoaudiólogos, fisioterapeutas e nutricionistas, entre outros.

Cuidados não se limitam ao fim da vida ou ambiente hospitalar
Embora o cuidado paliativo seja comumente visto como a assistência prestada a pacientes em fase avançada de doenças sem possibilidade de cura, esse cuidado não se limita ao fim de vida ou ao ambiente hospitalar, mas representa uma abordagem mais ampla de alívio e controle de sintomas, com foco na pessoa e no seu sofrimento, de forma integrada ao plano de cuidado.

A nota técnica nº 10/2023, elaborada pela Coordenadoria de Atenção Básica (CAB) da Secretaria Executiva de Atenção Básica, Especialidades e Vigilância em Saúde (Seabevs) da Secretaria Municipal da Saúde (SMS), reforça esta concepção. Ela estabelece que os cuidados paliativos devem ser ofertados em toda a rede municipal, o que abrange os níveis primário, em serviços como as Unidades Básicas de Saúde (UBSs), o atendimento domiciliar realizado pelas equipes multiprofissionais da atenção domiciliar (Emad) e de apoio (Emap), além de secundário, nos atendimentos de urgência e média complexidade, e terciário, nos hospitais.