Terapia Comunitária Integrativa ganha espaço na Saúde

Rodas de conversa integram as Práticas Integrativas Complementares; criadas em locais como as UBSs, elas são abertas e mediadas por profissionais dos equipamentos

"Quando a boca cala, o corpo fala. E quando a boca fala, o corpo sara". A frase, do psiquiatra e antropólogo Adalberto de Paula Barreto, resume o conceito por trás da Terapia Comunitária Integrativa, criada por ele. A TCI é uma das 29 Práticas Integrativas Complementares (PICs) disponíveis atualmente no Sistema Único de Saúde (SUS), e vem sendo implementada na rede municipal de saúde de São Paulo.

Em 2022, cerca de 90 profissionais atuantes em todas as regiões da cidade passaram por um curso de formação de 240 horas. Hoje, eles conduzem grupos de TCI nas Unidades Básicas de Saúde (UBSs) e outros equipamentos da rede municipal. São grupos abertos que se reúnem semanalmente, em rodas de conversa nas quais todos – pacientes da unidade, pessoas da comunidade, têm voz e podem compartilhar questões, problemas, desassossegos e dores da alma.

Cabe ao mediador, que pode ser qualquer profissional da unidade, atuar como um facilitador deste processo. O ponto fundamental da Terapia Comunitária Integrativa, no entanto, está na horizontalidade, sem relação de poder entre os atores, com o objetivo de criar e fortalecer os laços sociais, em uma dinâmica na qual cada participante é corresponsável pelo processo terapêutico individual e coletivo, ao partilhar suas experiências e vivências com todos na roda. Neste processo, pode ocorrer identificação, insights para o encaminhamento de questões e até mesmo um resgate da identidade e da autoestima.

A experiência de uma UBS com a TCI
A UBS Elisa Maria II, localizada na região de Brasilândia, zona norte de São Paulo, implantou a Terapia Comunitária Integrativa no início deste ano. Ela não acontece na unidade e sim na Fábrica de Cultura de Brasilândia, o que permite que a roda de conversa, que acontece toda quinta-feira, seja entremeada por poesia, fotografia, música e outras formas de arte.

Cada roda dura de uma hora e meia até duas horas, e se inicia com o acolhimento dos participantes, seguido de uma dinâmica lúdica que funciona como um “aquecimento”. Depois, cada pessoa é convidada a falar sobre situações, fatos ou circunstâncias que a inquietam. É a partir daí que o tema a ser aprofundado naquele dia é escolhido, conjuntamente, o que leva a uma maior elaboração das questões postas, que podem ser relacionadas a trabalho, relacionamentos, medos, parentalidade, violência, problemas como depressão, ansiedade ou outros.

A TCI da UBS Elisa Maria II conta com a mediação da agente de terapia comunitária Deusa Aparecida Ferreira Canzano, que passou pela formação depois de trabalhar por oito anos diretamente com a população, como agente comunitária de saúde (ACS). “Digo a partir da minha experiência que existe uma enorme potência nesse espaço coletivo de compartilhamento de experiências, medos e desassossegos, que se dá muitas vezes a partir da sua ressignificação; muitas vezes a pessoa chega cheia de dor, e a troca com os demais traz uma solução, uma outra perspectiva sobre a questão”, comenta Deusa.

“Para além da TCI, sempre que percebemos casos mais agudos, que requerem um outro tipo de cuidado, fazemos o encaminhamento para atendimento individual na UBS”, pontua a psicóloga Luciana Aparecida Gomes, que acompanha as rodas de conversa no centro de cultura. Segundo ela, participar do grupo também é gratificante do ponto de vista profissional. “O exercício da escuta nestas dinâmicas é muito valioso, enriquece a prática terapêutica do nosso dia a dia, e potencializa os recursos existentes no território.”

O grupo hoje é formado principalmente por mulheres, mas a expectativa, a partir do trabalho dos ACSs em campo e também dos relatos feitos pelos participantes, é que ele cresça rapidamente e incorpore outros perfis, como crianças, homens e adolescentes, como a experiência com outras rodas de conversa na cidade tem demonstrado.