Área pública não escapará das mudanças

Por Jair Moggi

"Não há exército do mundo que possa resistir a uma idéia, cujo tempo
chegou" (Vitor Hugo).

Há cerca de 15 anos, uma onda de mudanças vem agitando as empresas
privadas brasileiras, causando muitas transformações em toda sociedade.
Quem ousasse dizer, no incida década passada, que alguns setores
econômicos brasileiros chegariam a este último quinquênio do milênio em
condições de disputar com as melhores economias do mundo talvez ouvisse
uma gargalhada como resposta. Mas a verdade é que os administradores
brasileiros demonstraram uma surpreendente capacidade de adaptação e de
crescimento, não só das pessoas como também das organizações.

Isso se deve a uma crescente consciência de que o sucesso das empresas
está relacionado à sua capacidade de adequarem-se, como entidades
coletivas, aos seus ambientes, no curto prazo, com prontidão para
antever e atender as necessidades dos clientes com grandes doses de
agilidade, flexibilidade e criatividade.

Esses fatos, no entanto, parecem não ser suficiente para convencer os
eternos céticos de que essas mudanças contaminaram também os setores
públicos brasileiros. Embora a preocupação com a modernização dos
estados e das empresas públicas seja mais recente, vai causar tanta ou
mais convulsão na vida do cidadão comum do que o despertar da empresa
privada vem motivando nos últimos anos já que, como se sabe há muito
tempo, o estado brasileiro é um gigante adormecido e vai abalar muitas
estruturas na medida que se movimente.

Vale lembrar que o fenômeno não é exclusivamente brasileiro, embora aqui
ele tenha características próprias. As recentes manifestações públicas
na frança e as paralisações da máquina estatal norte-americana são as
partes visíveis do iciberg: em todo o mundo as administrações públicas
procuram ajustar suas contas e modernizar suas máquinas.

Embora não se deva confundir o processo privado com o público (já que
eles tem naturezas diferentes, o primeiro com um compromisso de aumento
do capital investido que jamais se poderá exigir do segundo), existe a
necessidade de tentar aprender com quem já está vários passos à frente
nessa modernização.

Os paralelos entre os dois movimentos de despertar na economia privada e
na vida pública são vários e de diferentes tipos. As empresas começaram
seu processo de modernização pressionadas pelo mercado e pela abertura
da economia. O setor público o faz pelas mesmas razões, se encaramos o
seu "mercado" como a sociedade em geral e a integração dos países a
blocos regionais como equivalente à globalização econômica.

A modernização foi a última alternativa que restou ás organizações
privadas que não estavam dispostas a sucumbir diante da concorrência.
Embora não se possa falar em concorrência entre países, é inevitável uma
comparação entre os processos de bancarrota daquela que já foi a maior
empresa aérea do século e símbolo da capacidade de organização americana
a gigante Panam e de decadência e fragmentação da União Soviética.
Enquanto esses fatos surpreendiam os que não acreditavam na necessidade
da modernização, grandes empresas desmobilizaram-se e transformaram-se
em aglomerados de pequenas unidades articuladas para atender aos
requisitos de agilidade, flexibilidade e prontidão em relação ao
mercado. Entre elas, pode-se citar IBM, ITT, GM, GE e outras. Alguns
países, como Itália e Japão, também souberam modernizar-se e ocupar um
entre os cinco lugares reservados às mais poderosas economias mundiais.

As grandes mudanças no entanto, vieram de empresa que sequer existiam há
poucos anos como a Apple, por exemplo e de países que hoje abarrotam
prateleiras de supermercados em todo o mundo, mas dos quais, há dois
anos, pouca gente sabia a localização no mapa, ou a correta grafia dos
nomes, como Singapura e Taiwan. Nenhum dirigente empresarial ou político
lúcido tem a audácia de imaginar que, sem mudanças, suas organizações
estará a salvo de um destino semelhante ao Panam que, depois de ter
feito o seu merchandising no filme 2001, Uma Odisséia no Espaço, não
estará viva para assistirão ano 2001 cronológico, ainda que seja muito
menos espetacular, surpreendente e simbólico que aquele. Para quem para,
refletir e observar, resta apenas um caminho : o da modernização, da
democratização de organizações públicas e privadas que só vão emplacar o
próximo século se estiverem efetivamente voltadas para o bem estar do
cidadão e do cliente.

Outro paralelo importante é que a modernização nas empresas privadas
começou em pontos isolados quem não se lembra das "ilhas de qualidade" ?
Para depois tornar-se um fenômeno generalizado. O mesmo está acontecendo
no setor público. Aqui e ali há pessoas que percebem que o verdadeiro
"Cliente" do seu trabalho é o cidadão e a comunidade. São esses
pioneiros que estão fazendo empresas e instituições governamentais
reagir com vigor no sentido de conectarem-se com os ventos da mudança.
Muitos políticos e profissionais do serviço público já incorporaram no
seu discurso e manifestam uma genuína preocupação no sentido de terem um
governo mais eficiente e estão tomando e implementando muitas ações
concretas nessa direção. São pessoas que estão consciente do enorme
esforço que despenderão para mudar culturas caracterizadas pelo
paternalismo, pelo descompromisso com o bem público, pela falta de visão
de futuro, pelo maniqueismo ideológico, pelo corporativismo inadequado e
pela burocracia exagerada. Mas não desistem por que estão vendo além do
horizonte.

Eles sabem que esta virada de século é o momento adequado para avançar
na busca de soluções inovadoras. É chegado o tempo de trazer as
comunidades que representam o cidadão para participar de forma planejada
e organizada das questões ligadas à gestão do bem público, de realizar
parcerias com a iniciativa privada naquilo em que ela pode ser mais
competente do que o governo ou naquilo em que a escassez de recursos
possa ser complementada com dinheiro privado dentro de um processo
participativo, transparente, criativo e humano. Tudo isso buscando
redução de custos, aumento da produtividade, envolvimento dos clientes
internos e externos ( comunidade e cidadão) , de forma objetiva e focada
em resultados de longo prazo, que vão além do atual mandado ou do
partido do poder ou seja, sem que a nobreza da missão governamental seja
perdida em função dos interesses de grupos que passam enquanto o Estado
permanece ou de modismos passageiros.

É claro que ainda se trata de iniciativas isoladas e esparsas por todo o
Brasil. Mas elas têm o mesmo significado dos primeiros furos em uma
barragem que está prestes a explodir. Não devem ser desprezadas porque
vão marcar o tom das mudanças no setor público que se adaptarão aos
novos paradigmas de gestão com uma abordagem também inovadora e voltada
para resultados para as comunidades e populações das quais dependem. E,
principalmente, porque elas demonstram que o funcionário público não é
diferente de qualquer outro trabalhador se for genuinamente motivado e
incentivado a prestar um bom serviço ( incluindo, aí é claro, o estimulo
indispensável do bom exemplo de seus superiores), se tiver a sua
dignidade resgatada, ele trabalhará com qualidade, produtividade e
alegria.

Apesar de todos esses indícios, ainda há quem prefira continuar apelando
para velhos chavões do tipo "funcionário público não gosta mesmo de
trabalhar", ou "só a privatização salva este país" em vez de observar a
realidade, com insenção e confiança nas mudanças. A hora não é mais de
ceticismo ele não tem mais graça, nem charme, sequer está na moda mas
sim de encontrar os sintomas desse despertar e apoiar esses processos.

 
(Texto: Jair Moggi )