Prefeitura de São Paulo

Roberta Pennafort, RIO

A seis meses da celebração do centenário de nascimento, o arquiteto Oscar Niemeyer foi convidado pelo ministro da Cultura, Gilberto Gil, a listar construções suas espalhadas pelo País (de uso público ou particular) que ainda não tenham sido tombadas e mereçam ser protegidas pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan). O encontro ocorreu no escritório de Niemeyer, na Praia de Copacabana, no Rio, ontem de manhã, quando também se discutiu a ampliação do perímetro de tombamento do Parque do Ibirapuera, em São Paulo.

Pelo projeto do governo paulista, seria incluído no perímetro o prédio do Departamento Estadual de Trânsito (Detran), traçado pelo arquiteto em 1954. O edifício abrigaria o Museu de Arte Contemporânea da Universidade de São Paulo (MAC-USP), conforme proposta feita pelo governador José Serra (PSDB), que foi bem-recebida por Niemeyer.

Outro assunto tratado no encontro foi a retomada da construção do Complexo Cultural de Brasília, do qual já foram erguidos o Teatro Nacional Cláudio Santoro, a Biblioteca Nacional e o Museu da República. Falta ainda o Palácio da Cultura, que servirá de sede ao ministério. Para tanto, o escritório do arquiteto foi convocado a atualizar um projeto de 1960, que nunca foi tocado.

Gil considerou importante ter o próprio Niemeyer à frente da seleção do que deve ser tombado. O arquiteto mostrou-se especialmente preocupado com interferências em espaços deixados propositalmente vazios em seus projetos. “É comum quererem melhorar, aí estragam”, justificou.Ele citou como exemplos praças que ficam entre prédios e devem permanecer sem edificações, de modo que chamem a atenção das “pessoas menos avisadas e menos sensíveis”.

Niemeyer criticou especialmente a utilização de um desses espaços em Niterói, no Grande Rio, onde foi montada uma feirinha onde não deveria existir nada. “O sujeito vai à praça e fica vendo aquele contraste: os prédios modernos, bem feitos e uma exposiçãozinha sem importância, perturbando a arquitetura.”

Estado - O que foi tratado nesse encontro?

Gilberto Gil - Queremos fazer um projeto de tombamento das obras do doutor Oscar. Evidentemente, muitas já estão tombadas, mas muitas ainda não. Ele tem interesse na questão dos espaços intermediários entre os edifícios, tanto em Brasília quanto em Niterói e em outros lugares. E temos todo o interesse de que ele e sua equipe construam uma lista do que ainda precisa ser objeto de tombamento.

Que construções poderiam ser tombadas?

Niemeyer - Brasília tem um caso específico: há uma praça muito bonita. De um lado, tem um museu; do outro lado, a biblioteca. Então esse espaço no meio faz parte da arquitetura. A praça é um convite para as pessoas menos avisadas, menos sensíveis. Em Niterói também tem. Há espaços que eram para ficar livres, sem nada, que foram ocupados por falta de tombamento adequado. O arquiteto tem de estar atento. E eu tenho tido problemas, como todo arquiteto.

O que existe realmente em relação ao projeto do prédio do Ministério da Cultura em Brasília?

Gil - Está no papel. Agora, o Ministério da Cultura está tomando a iniciativa de propor a construção efetiva. A partir da idéia inicial, há atualizações e adequações que precisam ser feitas, do ponto de vista do uso. São questões que têm de ser tratadas pela equipe do professor Niemeyer, pelo governo do Distrito Federal e pelo Ministério da Cultura. O prédio não tem a mesma concepção dos edifícios da Esplanada dos Ministérios - e sim a concepção do espaço cultural.

Com relação à marquise do Ibirapuera, falta sensibilidade para se entender a importância de modificá-la? (Niemeyer defende até hoje a retirada de uma parte da marquise para abrir uma praça, a fim de integrar melhor a Oca e o auditório)

Niemeyer - É lógico que tem de tirar. Há qualquer coisa por trás (da decisão do Conselho Municipal de Preservação do Patrimônio Histórico, Cultural e Ambiental de São Paulo, que rejeitou a derrubada de parte da marquise). Eu explico, os desenhos são tão claros que não deixam margem de dúvida sobre tirar. O arquiteto tem de protestar, é importante.

Mudando de assunto, algum comentário sobre as últimas decisões do presidente venezuelano Hugo Chávez, como o cancelamento da concessão da RCTV?

Niemeyer - Admiro Chávez. Ele é um guerreiro. Acho que o Lula está se saindo muito bem, deixando para trás uma discussão que não interessa e explicando bem: cada um cuida de seu país, trabalha pela defesa da América Latina, tão ameaçada. O que interessa é a união dos povos da América Latina. O terrorista é o Bush (George, presidente americano). Em qualquer situação, o interesse do povo deve ser soberano.