Secretaria Municipal de Cultura e Economia Criativa
São Paulo na visão de um pesquisador
Patrícia Villalba
É comum que a paisagem urbana mude aos poucos, mas no início dos anos 40 não foi assim. Foi quando o progresso escancarado fez parte do cotidiano e podia ser visto a olho nu e tocado, dando a impressão de que o futuro estava próximo. O fotógrafo Benedito Junqueira Duarte (1910-1995) deve ter tido essa impressão quando registrou o nascer da São Paulo cidade grande sob a encomenda de Mário de Andrade, em primeiro lugar e, depois, do prefeito Prestes Maia. Depois de ficar algumas décadas esquecido nos arquivos da Prefeitura, onde só não virou pó graças ao zelo de funcionários dedicados, o material sai do escuro para virar livro e exposição.
BJ Duarte - Caçador de Imagens é o primeiro livro do fotógrafo e a exposição que será inaugurada hoje na Galeria Olido, a primeira dedicada integralmente ao seu trabalho em pelo menos dez anos. A publicação, um volume de capa dura com 214 fotografias, é uma parceria entre a editora Cosaf Naify e a Secretaria Municipal de Cultura, que subsidiou a edição para que o livro tivesse um preço mais acessível, de R$ 42. 'Não é que ele não teve reconhecimento. Seu trabalho tem uma certa circulação, mas ainda restrita ao mundo da fotografia, a iniciados', observa o pesquisador, professor e diretor da Faap Rubens Fernandes Junior. 'Há vários ensaios sobre sua obra, mas até agora ele não tinha tido nenhum trabalho autoral como esse. O livro mostra a grandiosidade do acervo de fotografias da Prefeitura. Há outros fotógrafos, outros momentos da cidade que merecem ter seu material democratizados.'
Quem fez de BJ um fotógrafo modernista, que procurou ver os paulistanos de sua época refletidos no concreto que tomava conta de cidade, foi Mário de Andrade. Então diretor do Departamento de Cultura da Prefeitura de São Paulo, idealizado por ele em 1935, Mário convidou BJ para chefiar a Seção de Iconografia. A idéia da gestão modernista era pensar a cultura da cidade por meio de suas imagens. Daí que o registro virou ensaio, e o concreto se humanizou.
O livro é generoso ao contemplar essa primeira fase de BJ à frente da Seção de Iconografia. As mais belas imagens foram tiradas nos parques infantis da Lapa, Brás, Vila Romana, Ipiranga, Santo Amaro e Tatuapé. É impressionante a maneira como as fotos conseguem jogar com o clima de educação espartana e a sapequice infantil - crianças quase arianas, enfileiradas e eretas, mas com sardas desafiadoras saltando da cena.
Na mesma época, em contato direto com os modernistas que cercavam Mário, BJ fez ainda uma série de retratos de personalidades, como Cassiano Ricardo, Belmonte, Menotti Del Picchia e Monteiro Lobato. Boa parte desses negativos se perdeu, mas alguns - como os citados - fazem parte do livro.
Já no início dos anos 40 e com a saída de Mário do Departamento de Cultura, BJ abandonou seus estudos sobre a cultura da cidade e passou a registrar as grandes obras da gestão Prestes Maia. Fotografava a área desapropriada, pelada, e depois voltava para documentar o canteiros de obras e a entrega da edificação. O livro traz os registros mais importantes desse tipo, como o da construção do Viaduto 9 de Julho, do Estádio do Pacaembu, da Biblioteca Municipal e da Ponte da Casa Verde.
Paulista de Franca, BJ morou dez anos em Paris, onde aprendeu fotografia. Mas queria mesmo era ser médico, confidenciou num depoimento ao Museu da Imagem e do Som (MIS). É por isso que acabou se interessando por documentar os avanços da medicina, em momento de ebulição na São Paulo do fim dos anos 40. Registrou diversas operações no Hospital das Clínicas, e quando a câmera fotográfica não foi mais suficiente, ele recorreu ao cinema científico, como desbravador. Filmou os primeiros transplantes de coração realizados por Zerbini e fez mais de 600 filmes científicos. 'Nessa época, ficou tão envolvido que trabalhou direto no hospital. Desenvolveu uma linguagem especial para o cinema científico como instrumento de educação', explica o professor Fernandes. 'Ele sentia que estava vivendo um momento histórico, tinha plena consciência do momento que vivia, e sua obra é o registro dessa consciência.'
Museu da Cidade vai reunir acervo fotográfico
Com 600 mil imagens, ele será mostrado em 11 casas espalhadas pela metrópole
A exposição e o livro sobre a obra de Benedito Junqueira Duarte fazem parte de um projeto da Secretaria Municipal de Cultura para a instalação do Museu da Cidade, que vai se espalhar por 11 casas históricas de São Paulo, como a Casa do Grito, o Sítio Morrinhos e a Casa do Bandeirante. A primeira será justamente a Casa Número 1, que passa a se chamar Casa da Imagem e a abrigar o acervo iconográfico da cidade, mais de 600 mil imagens. 'Já digitalizamos uma parte do material, que poderá ser consultada pela internet', informa o secretário Carlos Augusto Calil.
Veja galeria de imagens do fotógrafo BJ Duarte
A idéia de dividir a memória paulista entre algumas de suas mais significativas edificações substitui o projeto do Museu da Cidade criado na gestão de Marta Suplicy, a ser realizado com patrocínio da Petrobrás. 'O projeto, e só ele, consumiu R$ 1,1 milhão da primeira parcela enviada pela Petrobrás. E além de ele ser difícil de ser instalado, me incomodava o fato de que o acervo da cidade não era contemplado, tampouco seus prédios. Por isso, resolvemos mudar os planos', explica Calil que diz trabalhar, por enquanto, com os R$ 774 mil que sobraram do patrocínio.
A sede do Museu da Cidade será instalada no Solar da Marquesa, que além de coordenar as ações das outras dez casas históricas, terá espaço para exposições. 'Todos os imóveis terão de passar por restauração antes de começar a funcionar', anota Calil.
Serviço
Livro B.J. Duarte - Caçador de Imagens. 208 páginas, R$ 42. Hoje, às 18h30.
Exposição de BJ Duarte. Abertura hoje, das 18h30 às 22 horas. De terça-feira a sábado, das 12 horas às 23h30; domingos, das 12 horas às 19h30. Grátis. Até 25/11. Galeria Olido. Avenida São João, 473, Centro, telefone 3334-0001
HAND TALK
Clique neste componente para ter acesso as configurações do plugin Hand Talk