Secretaria Municipal de Cultura e Economia Criativa
Quero um vizinho chamado Sesc
Suponha que um forasteiro queira comprar ou alugar um apartamento em São Paulo e peça a você uma dica de onde morar.Suponha que ele seja um ‘culturete’ fanático, desses que não vivem sem freqüentar teatros, cinemas,exposições, shows de música, concertos, balés. Aí, o tal do animadinho cultural tasca a pergunta: qual o endereço paulistano
Ideal para quem gosta de consumir cultura? Em outras palavras: como ser vizinho da cultura em São Paulo?
Bem, se ele tem grana de montão,nem viria fazer pra você esse tipo de pergunta,
Fala sério. Agora, se for gente como a gente, ou seja, se ele não puder investir nem 10% de seu orçamento em atividades culturais, então não dê bola-fora: mande o cara morar do lado de qualquer uma das unidades do Sesc. Há mais de três dezenas delas (por
enquanto) espalhadas pela Grande São Paulo, interior e litoral
do Estado.
Todas as semanas, milhares de pessoas atravessam os portões de uma dessas Sescolândias, redutos de programas culturais selecionadíssimos, de alto nível, e com ingressos bem mais baratos do que os da, digamos, ‘vida real’. Porque é como se cada Sesc não fizesse parte da realidade cultural desta cidade, é como se cada unidade fosse uma ilha da fantasia dentro de uma megalópole dura, cada vez mais estéril na missão de Proporcionar a seus moradores um acesso fácil à cultura. Noves fora os Sescs (de exemplar iniciativa privada), noâmbitogovernamentalaPrefeitura Municipal mantém pelo menos dois bons redutos de atrações artísticas, o Centro Cultural São Paulo, na Rua Vergueiro(ali, teatro infantil é sempre uma boa pedida), e o Memorial
da América Latina, na Barra Funda. Este último vive procurando seu eixo, mas abriga,
ainda que de forma irregular, shows, circos, mostras de cinema e de artes visuais. Se o tal forasteiro fissurado em cultura quiser ser vizinho de uma dessas duas instituições oficiais, também vai poder alimentar sua alma a contento, sem furar o bolso.
E na periferia, tem cultura? Tem, sim senhor. Mas ainda é nada, considerando-se o potencial e a carência daquelas regiões. Na zona leste, esse carinha‘cult’ pode morar, por exemplo, próximo ao Sesc Itaquera (de novo, o Sesc), um verdadeiro clube civilizado, calmo, verde, respeitado - e tapando a boca de quem diz que periferia é
lugar de confusão.
Melhor do que procurar por esses endereços da cultura de fácil acesso, já pensaram se a gente pudesse trombar com ela pelas ruas da cidade, sem precisar ter o trabalho nem a despesa de ir atrás dela? Por exemplo: teatro de rua.Porque ainda há tão poucas iniciativas desse tipo de manifestação em São Paulo? Uma resposta: “Quem
flana por algum tempo pelas grandes cidades nordestinas tem grandes chances de se integrar à platéia informal de manifestações teatrais exibidas a céu aberto. Danças dramáticas, máscaras, bonecos, peças atualíssimas encontram espectadores habituados a usufruir e interagir com o teatro de rua. Já as ruas de São Paulo não acolhem bem a arte na escala diminuta do teatro e não é por outra razão que os telões e os amplificadores gigantescos se impõem em shows musicais. Só mesmo à força, ensurdecidos e mesmerizados por luzes cintilantes os paulistanos param para apreciar um acontecimento artístico.”
Nesse trecho de uma crítica teatral publicada no Caderno 2, em 6 de outubro, de autoria de Mariângela Alves de Lima, há uma aguda observação da falta de preparo/tempo/disposição dos paulistanos para conviver nas ruas com a arte espontânea.
Estamos na cidade da correria, do afobamento, do ‘tempo é dinheiro’. Arte na rua tem
de ser com hora marcada, tem de ser em fim de semana, em feriadão prolongado, de preferência em praças que já têm o hábito de receber público para lazer -- não funciona na base da surpresa. A própria arquitetura desumana da cidade não é
propícia à arte a céu aberto. Outra possibilidade é mandar o tal carinha morar ao lado
De uma biblioteca pública.Quer coisa melhor? Quem não acredita na potência de transformação proporcionada pelo ato de abrir um livro, de mergulhar dentro de um livro, de viajar nas páginas de um livro? São Paulo (e que tal o Brasil inteiro?) precisava mesmo era de uma boa e bem equipada biblioteca pública a cada dez quarteirões, no máximo. Só assim seus habitantes seriam cidadãos mais preparados, inclusive para entender a importância da criação de mais centros culturais em sua cidade, a importância de ser vizinho da ilustríssima senhora dona cultura. E todos os nossos governantes, se tivessem crescido dentro de uma biblioteca, seriam mais sensíveis a essa causa.
*Dib Carneiro Neto é editor do Caderno 2, dramaturgo e escritor
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