Secretaria Municipal de Cultura e Economia Criativa
Musical “Luz Negra” encerra trilogia com discussão sobre o preconceito contra o negro
Novo espetáculo da Cia. Pessoal do Faroeste, com Mel Lisboa e Thaís Dias, integra o Circuito São Paulo de Cultura e tem apresentações nos teatros Alfredo Mesquita, entre os dias 5 e 7, e Flávio Império, entre os das 12 e 14

Segundo a atriz Mel Lisboa, a personagem Vanda Marquetti
é uma diva em decadência (Foto: Bob Sousa)
Por Gabriel Fabri
Após apresentar as peças “Cine Camaleão”, sobre as pornochanchadas brasileiras, e “Homem Não Entra”, sobre a migração das prostitutas do Bom Retiro para a Rua do Triunfo no ano de 1953, a Cia. Pessoal do Faroeste encerra a sua trilogia que retrata a Boca do Lixo com o espetáculo “Luz Negra”, um musical com sambas inéditos. Integrando a programação do Circuito São Paulo de Cultura, a peça é apresentada gratuitamente entre os dias 5 e 7, no Teatro Alfredo Mesquita, e entre os dias 12 e 14, no Teatro Flávio Império.
O pano de fundo das três peças é a produção cinematográfica da Boca do Lixo, retratada em três períodos diferentes. Após abordar a década de 1950, com a chegada das produtoras de cinema na região, e a década de 1970, com o auge das pornochanchadas, a companhia situa “Luz Negra” em 1937, ano em que as grandes distribuidoras norte-americanas se instalaram na Rua do Triunfo. “Esse panorama é importante para entendermos como e por que a rua se tornou o maior pólo cinematográfico da América Latina”, explica o diretor dos três espetáculos, Paulo Faria.
O ano de 1937 foi também o ano em que Getúlio Vargas instaurou o Estado Novo e colocou na ilegalidade a Frente Negra Brasileira. No texto do musical, integrantes desse partido político trabalham em um programa da rádio Luz Negra, que na época se localizava na Rua do Triunfo. Nessa edição do programa, os personagens fazem um programa especial sobre o abolicionista Luís Gama (1830-1882).
A Frente Negra Brasileira foi uma associação e um partido político com membros da elite e da classe média, que pensavam “um Brasil também para negros”. O diretor explica que, com o fim da agremiação, a participação do negro na política brasileira foi excluída e lamenta que a extinção do grupo seja um fato praticamente desconhecido hoje. “Os negros foram cada vez mais banidos para as periferias, para os presídios, excluídos de seus direitos. Se a Frente Negra tivesse prosperado, o país seria mais humano e menos racista”, acredita.
A história do musical se desenrola a partir da rivalidade de duas personagens fictícias: a vilã Vanda Marquetti, interpretada por Mel Lisboa, e Flora, advogada e cantora interpretada por Thaís Dias. A primeira traz em si todo o discurso preconceituoso da época, enquanto o protagonismo da outra mulher faz uma espécie de contraponto. “A Thais constrói para o público uma imagem de mulher negra bem diferente da que foi esculpida pela história racista do país e que estamos acostumados a ver”, explica o diretor.
A atriz Thaís Dias afirma que sua personagem acredita nas alianças políticas para que os avanços na condição do negro sejam feitos. “A Flora traz em seu discurso a importância e necessidade de que os negros estejam unidos e que ocupem, sim, os possíveis destaques que venham a merecer”. Thaís conta que o mais desafiador do seu papel foi discutir o racismo em um espaço com o qual ela não estava acostumada, fora dos coletivos de sua militância. “Por outro lado, esse encontro com outros artistas e pensadores possibilitou uma apropriação diferente do tema”, explica.
Única artista na peça a atuar nos três espetáculos da trilogia, Mel Lisboa interpreta uma diva em decadência. “Ela é oportunista, dissimulada, hipócrita, racista e patética”, cutuca a atriz. Por ser uma loira branca, vestida de branco, em meio a vários negros com figurinos pretos, Vanda está em uma nítida desvantagem. “Quem está numa situação desprivilegiada é ela, e isso inverte todo o senso comum”, completa.
Mel acredita que sua personagem faz o público pensar nas próprias atitudes. “Quem porventura se identificar com que a Vanda fala ou faz, verá o quão patético é e terá a chance de rever os seus conceitos”, provoca. A atriz também afirma que os preconceitos de sua personagem ainda estão muito presentes na sociedade, mas de forma velada, já que é difícil encontrar quem o assuma. “É preciso discutir o assunto, brigar pela igualdade de diretos e, finalmente, tentar reverter aos poucos essa triste realidade”, declara.
Por fim, Paulo Faria afirma que o foco central de “Luz Negra” e de toda a trilogia da companhia é o passado da cidade. “A ideia dos projetos é revelar a história fantástica da região da Luz para que o morador da cidade, o público, crie um sentimento de pertencimento”, explica. Em breve, essa iniciativa da companhia deve chegar a mais pessoas, já que “Luz Negra” vai virar um longa-metragem para os cinemas, que será lançado em 2016. Aumentar o alcance dessa história é importante pois a São Paulo dos anos 1930 não tem muito a dizer apenas sobre a metrópole hoje, mas também sobre o país. “Ela é fundamental para entendermos como o Brasil é racista e ainda não tem um projeto de nação que inclua o negro”, opina Faria. Ele exemplifica com o projeto de redução da maioridade penal, o qual ele é contra. “O foco difuso dessa discussão é continuar matando o jovem negro, continuar impedindo que ele se faça cidadão no Brasil”, declara.
Serviço: Circuito São Paulo de Cultura. Diversos Espaços. Grátis.
| Teatro Alfredo Mesquita. Av. Santos Dumont, 1.770, Santana. Zona Norte. | tel. 2221-3657. Dias 5 e 6, 21h. Dia 7, 19h.
| Teatro Flávio Império. R. Prof. Alves Pedroso, 600, Cangaíba. Zona Leste. | tel. 2621-2719. Dias 12 e 13, 20h. Dia 14, 19h
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