Secretaria Municipal da Saúde
Perfil: Assistente social fala da gratidão com homenagem recebida por atuação na pandemia
No Dia das Mães deste ano, celebrado no domingo 9 de maio, a assistente social Talita Mendes de Faria, 34 anos, teve mais motivos para comemorar. Foi o primeiro com as duas filhas, Maria Helena, de 3 anos, e Laura Paz, de sete meses. Ao descobrir, no início do ano passado, que estava grávida da segunda filha, ela sentiu medo, mas a vontade de continuar ajudando as pessoas com o trabalho que desenvolve no programa Consultório na Rua foi maior e ela fez questão de seguir trabalhando. Sua resiliência lhe rendeu há poucas semanas uma medalha pelo Prêmio Cidade de São Paulo.
“Vocês não têm noção da importância dessa homenagem para mim. Vocês deixaram meus dias tão leves, minha motivação aumentou. Minha mãe ficou tão feliz, foi tão difícil pagar a minha faculdade e meu pai está tão orgulhoso. Estou tão feliz!”, festejou, ao comentar o fato de ter sido um dos 17 trabalhadores da rede municipal de saúde a receber o reconhecimento como forma de homenagear a todos os profissionais que têm trabalhado no enfrentamento à pandemia.
Contratada pelo Centro Social Nossa Senhora do Bom Parto, conhecida como Bompar, uma das Organizações Sociais de Saúde (OSSs) contratadas pela Secretaria Municipal da Saúde (SMS) para execução do Consultório na Rua, Talita trabalhava há um ano na Unidade Básica de Saúde (UBS) Belenzinho, na zona leste. Quando soube que estava grávida, em janeiro de 2020, se assustou tanto pela pandemia como por ter sido uma gestação não planejada e decidiu esperar os três primeiros meses para divulgar.
Talita posa para foto com seu marido, Luis Paulo, e suas filhas, Maria Helena e Laura Paz (Fotos: Arquivo Pessoal)
Em março, chegou à UBS uma paciente que havia estado na Turquia com suspeita de Covid-19. Talita atendia na sala 18 e, ao fim do atendimento, deu de cara com um cartaz na sala 19 que dizia “sala em isolamento”. Ao ler esse aviso, a preocupação tomou conta dela, pois a doença estava chegando perto.
Sua pressão foi a 15 por 9 e Talita chamou sua chefe direta, Mônica Prado. Chorando, a assistente social contou sobre a gravidez e Mônica, ao ver seu pesar, perguntou se estava tudo bem. Talita explicou que sim, mas que não queria se afastar do serviço em um momento tão crítico.
A regra era que grávidas fossem afastadas de suas tarefas ou trabalhassem de casa, mas Talita recusou as duas opções e pediu que sua chefia encontrasse uma terceira alternativa, assim que ela voltasse de férias, em maio de 2020. Foi então que começou a trabalhar na sede do Bompar.
No novo posto, deu suporte para as equipes de agentes de saúde e aos trabalhadores infectados pelo novo coronavírus. Quebrando as barreiras de suas atribuições, reinventou práticas de atendimento, estabeleceu novas parcerias e evitou diretamente que muitas pessoas morressem de forma indigna.
“Sem dar conta do que iria acontecer, a gente foi trabalhando. Chegou um dia em que 38 funcionários estavam afastados por Covid-19. E eu que fazia esse controle, ligava para saber quais estavam afastados, quais haviam se curado e quais estavam com suspeita. Eu também dava suporte para os familiares desses funcionários, ajudava com a distribuição de cestas básicas, resolvia as questões de RH”, explica.
Acostumada a estar na linha de frente da assistência social, Talita sentiu muita diferença na nova função, que era mais burocrática. “Foi difícil me afastar da rua, do atendimento, do cuidado, mas achei que seria bem pior ficar em casa. A gravidez já mexe com os nossos hormônios, então eu tinha que me envolver”, diz.
Na foto ao lado, à esquerda, Talita está em atendimento e passa creme nos pés de uma paciente em situação de rua
A cada dia, a assistente social descobria que era possível ajudar os funcionários de diferentes maneiras. “Nossos agentes de saúde de rua são pessoas que viviam em situação de vulnerabilidade social. Uma boa parte deles ainda mora em albergue. E isso, em uma pandemia, deixa o psicológico ainda mais abalado. Alguns, infelizmente, tiveram recaídas. Não imaginava que meus próprios colegas de trabalho também poderiam vir a ser pacientes. A gente tinha que fazer alguma coisa”, aponta.
Decidiu então angariar cestas básicas e materiais de higiene pessoal para aqueles que precisavam se afastar pelo Instituto Nacional do Seguro Social (INSS). Também acompanhava os funcionários até as perícias necessárias do órgão público. “Se a gente vai fechado para trabalhar em algum lugar a gente não consegue se adaptar. Então, eu fui aberta e consegui identificar as demandas, o que era preciso fazer.”
Segundo ela, no início do ano passado, quando estava em um culto, uma pessoa que frequenta a mesma igreja disse a ela que Deus lhe daria um livramento da Covid-19 que também seria uma benção. “Hoje entendo que ele falava da minha gestação. Por conta da Laura, eu fiquei em casa no primeiro pico da pandemia, deixei de ter contato direto com a população. Depois, fui para a sede do Bompar e consegui ajudar vários colegas de trabalho. Foi um livramento e uma benção, de verdade”, analisa.
Chá de bebê surpresa
Quatros dias antes de dar à luz Laura Paz, Talita estava trabalhando. Em razão do isolamento social, não havia sido possível fazer um chá de bebê. Além disso, com tanto trabalho, ela não encontrou tempo para organizar nem mesmo um evento on-line. No último dia antes da licença-maternidade, Talita chegou para o trabalho e foi surpreendida por Marta, que disse ter feito um curso de penteado e que gostaria de realizar um teste nos cabelos da grávida. Com o cabelo arrumado, a colega Ágata Pennella se ofereceu para fazer uma maquiagem que combinaria com o penteado.
No mesmo dia, ao término do expediente, Marta pediu que Talita fosse ao salão buscar uma caixa. “Eram quatro lances de escada e eu achei um pouco desumano com uma grávida. Mas, assim que abri a porta vi que era um chá de fraldas surpresa”, relembra, aos risos. “Eu ganhei tudo o que você pode imaginar. A Marta encomendou bolo, decoração, docinho e eu nem percebi. No começo a Laura não tinha quase nada e depois nada faltou. Eu vou viver a minha vida inteira e não vou conseguir pagar tudo que a Marta já fez por mim, tudo o que já fui cuidada pelas pessoas”, comenta, se referindo a Marta Marques, gerente de serviço de saúde do Consultório na Rua, e aos demais colegas.
Talita conta que o nascimento de Maria Helena, sua primeira filha, também foi desafiador. Embora ela e seu marido Luís Paulo da Silva, 34, tenham planejado a chegada da primogênita, na mesma época seu pai foi diagnosticado com câncer no pâncreas. “Juntou esta notícia desoladora com as dificuldades de uma mãe de primeira viagem e aí minha saúde mental não aguentou”, afirma Talita, que desenvolveu depressão pós-parto.
Quando já não enxergava saída para melhorar sua saúde mental, recebeu um telefonema de Marta, que a convidou para trabalhar novamente no Bompar, onde já havia atuado de 2011 a 2013. Essa bem-sucedida segunda temporada na OSS teve início em 3 de fevereiro de 2019, quando Maria Helena estava prestes a completar seu primeiro ano de idade.
A escolha do serviço social
Talita sempre sentiu o desejo de cuidar das pessoas, desde que uma tia muito próxima foi diagnosticada com HIV, na década de 1980. “Quando eu tinha seis anos de idade, lembro que a gente foi até o Hospital Dr. Arnaldo, em Mogi das Cruzes, quando deram a notícia do óbito da minha tia Maria Luciana, e fomos recepcionados por uma assistente social da Vara da Infância, que queria nos conhecer”, narra. “Depois ela visitou a nossa casa, pois a minha mãe ficou como tutora do meu irmão [que era filho de Maria Luciana]. Eu lembro que ela tinha um Escort vermelho, era loira, alta, cabelos compridos... e eu falava para a minha mãe que queria ser igual aquela moça. Eu nem sabia a profissão dela, e perguntava para a minha mãe, que respondia ‘serviço social’”, conclui ela, que se graduou pela Universidade Cruzeiro do Sul, em 2009, e no dia 15 de maio comemorou, com todos os colegas de profissão, o Dia do Assistente Social.
Contato com a natureza
Como ainda mora na mesma casa de sua infância, em um sítio em Poá, na Grande São Paulo, Talita gosta de aproveitar o tempo livre em seu quintal, em contato com a natureza. Juntamente com seu pai, criou um ecoponto para juntar diferentes materiais durante o ano inteiro. Ao final do período, ambos recolhem tudo o que foi juntado, como alumínio, garrafas PET e ferro, e levam a um ferro-velho para vender. Em 2020, essa tarefa rendeu R$ 4.000 para a família. Também existe um ateliê no quintal, onde eles restauram objetos antigos e desenvolvem outras tarefas artísticas.
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