Secretaria Municipal de Cultura e Economia Criativa

Melancolia do crepúsculo em 3 textos de Beckett

Fonte: O Estado de S. Paulo
 

Solo, Passos e Improviso de Ohio integram a montagem, no CCSP, que marca a volta do premiado diretor Rubens Rusche à dramaturgia do autor irlandês

Beth Néspoli

Rubens Rusche está de volta à dramaturgia de Samuel Beckett (1906-1989). Quem viu Katastrophé, Fim de Jogo e Beckettiana # 3, entre outras montagens desse diretor sabe que seu retorno às peças do autor irlandês é uma boa notícia, promessa de bom espetáculo. Desta vez ele leva ao palco Crepúsculo, 3 Peças de Samuel Beckett, que entra em cartaz a partir deste fim de semana no Centro Cultural São Paulo.

Na noite de quarta-feira, o Estado acompanhou um ensaio da montagem. Rusche conversa na platéia da sala Paulo Emílio. Surpreende a luta desse premiado diretor para voltar a encenar Beckett, algo que só conseguiu agora com apoio do Prêmio Myriam Muniz, da Funarte. O projeto inicial era fazer apenas Solo, a primeira das peças que o público verá no palco, interpretada pelo ator Antonio Galleão, que há muito acompanha o diretor. 'Era simples, só um ator, mas não consegui patrocínio', diz Rusche.

Aí veio a idéia de acrescentar Passos, uma peça para duas atrizes: Nádia de Lion e Vera Villela. Depois de aprovado, dessa forma, para receber o apoio da Funarte, Rubens decidiu acrescentar mais uma peça, Improviso de Ohio, interpretada por Galeão e Daniel Ribeiro. 'Senti que faltava um movimento.'

Como se sabe, Beckett escreveu suas peças com muitas indicações ao diretor: desde os movimentos, ou a imobilidade, dos atores passando por objetos de cena até sonoridades. Parece fácil encenar, só seguir as instruções. Por que então algumas montagens deixam o espectador siderado e outras não? A diferença estaria na compreensão do texto? 'Não acho que seja uma apreensão só racional', diz Rusche.

Ele compara à partitura musical. 'Está tudo lá, é só executar, não é? Mas não é fácil.' Ele lembra então de uma música de Chopin da qual não gostava, até ouvi-la numa execução, ou interpretação, apaixonante. 'Quase chorei. O que me bateu em cheio foi a alma da música', diz. 'Nessa peça, os atores aparecem sob máscaras, um atriz só de perfil, a outra não se vê, só seu ouve sua voz. Nesse teatro não há lugar para exibicionismos, para os jogos de ego. O que interessa é o momento de inteireza em que o ator é capaz de trazer à tona esse ponto invisível que revela o ser.'

Para esse diretor, Beckett está mais para artes plásticas, para a música com seus andamentos e para a poesia do que para literatura. 'Suas peças não são para ser lidas apenas, ele criou verdadeiramente uma escrita cênica.' É possível entender o que ele quer dizer quando começa o ensaio. No palco, uma pulsação que lembra a batida de um coração, criação do diretor, ganha forte significado, pois remete à vida e morte, tema de todas as três peças. Impossível separar o que diz Galleão em Solo de sua máscara facial, do ritmo de sua fala sincopada, de seu figurino e da iluminação. E há um verdadeira escultura de luz e fumaça como cenário em Passos. 'A técnica é necessária, sem ela não se faz Beckett, mas ela de nada adianta se não for usada de forma orgânica, se não fizer aflorar a sensibilidade dos atores e da platéia.'

Quem são esses personagens afinal? Não é fácil defini-los. Em Solo, um homem, na penumbra de um quarto, relembra enterros, parecer falar, mais que isso, vivenciar, a proximidade da morte. Em Passos, uma mulher anda para lá e para cá enquanto fala com sua mãe, cuja imagem não vemos, só ouvimos sua voz. Ela cuida da mãe enquanto remói em sua mente algo do passado. 'Essa peça, para mim, evoca uma frase de Jung: nosso problema não é que vamos morrer, e sim que ainda não nascemos completamente', diz Rusche. A última peça, fascinante, flagra dois homens, um lê, outro escuta. A história lida, fala de alguém que se isolou numa ilha após a perda de um ser amado, que, no entanto, manda alguém para ler um livro para ele.

'Essas peças são como o crepúsculo, nem dia, nem noite. Você não pode apreciar, se envolver na beleza melancólica de um crepúsculo só pela razão', diz Rusche. 'Nem nesse espetáculo.'

(SERVIÇO)Crepúsculo - 3 Peças. 80 min. 14 anos. CCSP - Sala Paulo Emílio Salles Gomes (110 lug.). Rua Vergueiro, 1.000, 3383-3400, metrô Vergueiro. 6.ª e sáb., 21 h; dom., 20 h. R$ 15. Até 17/6