Secretaria Municipal da Saúde

Quarta-feira, 18 de Junho de 2025 | Horário: 11:00
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Raça e ancestralidade fazem parte do cuidado de saúde mental do Caps IJ Ermelino Matarazzo

Vencedor do Prêmio David Capistrano no 38º Cosems/SP, Projeto Kilombinho usa atividades lúdicas para acolher crianças negras e combater o racismo
A imagem mostra a mala do kilombinho. Ela está aberta sobre a grama, sob a luz do sol. Dentro da mala, há diversos materiais coloridos, incluindo panfletos, cartilhas informativas e brinquedos artesanais.  No lado direito da mala, há bonecas artesanais de pano em destaque. Uma delas está por cima das outras, com pele negra, olhos grandes e verdes, cabelo de lã cor-de-rosa e marrom, vestido vermelho com estampa de poá branco e detalhes em babado branco. Ao fundo, outras bonecas semelhantes, com roupas coloridas e estampadas, estão empilhadas com os rostos voltados para cima.

Mulher negra e psicóloga, Fabiana da Silva Galdino sabe, a partir de sua experiência pessoal e profissional, como o racismo é nocivo para a saúde mental da população negra. Atuando no Centro de Atenção Psicossocial Infantojuvenil (Caps IJ) Ermelino Matarazzo, na zona leste de São Paulo, ela viu a necessidade de uma intervenção junto a crianças negras atendidas nos equipamentos de saúde da região, para mudar este cenário.

“Eu tenho crianças pretas que não se reconhecem assim, que têm vergonha”, conta a psicóloga, acrescentando que os efeitos do racismo são diversos: “A criança fica mais retraída, mais isolada; em outros momentos, a depender da forma e do tamanho da violência, ela também pode ficar mais agressiva”, explica Fabiana. De acordo com dados do Ministério da Saúde, em 2016, o risco de suicídio na faixa etária de 10 a 29 anos foi 45% maior entre jovens que se declaram pretos e pardos do que entre brancos.

Para combater essa realidade, a psicóloga idealizou, juntamente com a equipe do Caps, o projeto Kilombinho, que usa abordagens lúdicas para pautar as discussões sobre racialidade. Ainda no período escravocrata, quilombos (ou kilombos, na língua africana quimbundo, falada em Angola) eram agrupamentos formados por africanos e seus descendentes que resistiam à escravidão. “O kilombinho não é um lugar, é um movimento, mas ganhou esse nome por ser justamente um tipo de espaço de resistência ao racismo”, explica Fabiana. Essa iniciativa partiu de discussões de grupos de trabalhadores dos equipamentos de saúde que entenderam a necessidade de levar o letramento racial para as unidades.

Para operacionalizar o projeto e levá-lo a diferentes serviços de saúde, a equipe criou uma mala afrorreferenciada itinerante. Nela, cabem itens como livros infantis, bonecas pretas e tecidos, utilizados na contação de histórias e em brincadeiras, sempre tendo como referência a ancestralidade africana. Essas são algumas das estratégias para cercar as crianças e jovens de referências às suas origens e à sua própria cor, o que ajuda na autoestima e no sentimento de pertencimento: “Como eu trabalho racialidade, se eu não tenho uma boneca preta, se eu não tenho um livro que conte a história de uma pessoa preta e dos reis e rainhas africanos? É preciso trabalhar com esse tipo de material”, pontua.

As crianças também são ensinadas sobre que é preconceito, o que é discriminação e o que é o respeito às diferenças. “Esclarecer essas questões é necessário. Às vezes, elas chegam aqui relatando uma situação de bullying, mas quando vamos analisar, se trata na verdade de uma situação de racismo”, esclarece Fabiana. 

Além disso, os familiares das crianças também são envolvidos nas atividades, por meio de oficinas para a confecção de abayomis, bonecas de pano de origem africana que depois são utilizadas nas atividades com as crianças. O kilombinho ainda levou letramento racial para todos os trabalhadores do Caps IJ Ermelino Matarazzo, da recepção até os cuidados médicos, visando o melhor acolhimento dos pacientes.

Reconhecimento
Em abril, o projeto “Kilombinho: uma viagem lúdica afrorreferenciada e comunitária a partir da atenção psicossocial” recebeu o Prêmio David Capistrano durante o 38º Congresso de Secretários Municipais de Saúde do Estado de São Paulo (Cosems/SP), considerado um dos maiores eventos de saúde pública do país.

O projeto também irá participar da mostra nacional “Aqui Tem SUS”, a ser realizada durante o 38º Congresso do Conselho Nacional de Secretários Municipais (Conasems), que acontece de 15 a 18 de junho em Belo Horizonte (MG).

LEIA MAIS: Saúde da capital é premiada no 38º Cosems por projeto sobre raça e ancestralidade

De acordo com Fabiana, a premiação impactou positivamente o projeto, e outras unidades de saúde do territórios já querem aderir ao Kilombinho: “Espero que nós possamos ter asas e voar para outros espaços, e empoderar outras crianças”, afirma.

Área Técnica da Saúde da População Negra.
A Secretaria Municipal da Saúde (SMS), por meio da Área Técnica da Saúde da População Negra, trabalha há 22 anos para promover o acesso da população negra à saúde no município de São Paulo. Entre as conquistas mais recentes está a criação de uma comissão inter secretarial com o objetivo de implementar ações integradas com outras pastas.  Também são realizadas ações contínuas de conscientização profissional. 

Em 2024, gerentes dos equipamentos de saúde participaram de capacitações em políticas paulistanas de enfrentamento ao racismo. Neste ano, o objetivo é qualificar os profissionais de todas as unidades hospitalares para o preenchimento adequado do quesito raça/cor, defesa das ações afirmativas e orientações sobre registro de denúncias de discriminação racial e acolhimento às vítimas. Também estão previstos encontros regionais pautados no combate ao racismo, considerando tanto o atendimento à população quanto as relações profissionais.

Essa conquista é fruto de muitas outras que beneficiam a população negra que utiliza o Sistema Único de Saúde (SUS). Desde a sua fundação, em 2003, a área técnica trabalha pela redução de desigualdades, no combate ao racismo institucional e o esclarecimento sobre a importância do preenchimento de dados como o quesito raça/cor para embasar as políticas em saúde. 
 

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